São Paulo, terça, 6 de janeiro de 1998.




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OPINIÃO ECONÔMICA
A síntese da justiça social

RUY MARTINS ALTENFELDER
SILVA
O conceito de dialética, originalmente caracterizado como "a arte do diálogo", foi apropriado, ao longo da história, por diferentes doutrinas filosóficas, assumindo significados distintos. Para Platão, dialética era sinônimo de filosofia. Para Aristóteles, a lógica do provável. Para Immanuel Kant, a lógica da aparência.
Friedrich Hegel apresenta a dialética como um movimento racional, que permite ultrapassar uma contradição. Ou seja, uma tese inicial contradiz-se e é ultrapassada pela antítese, que, finalmente, é superada pela síntese.
Karl Marx e Friedrich Engels encampam o conceito hegeliano, o reformam com um novo conteúdo e formulam a dialética materialista, que analisa a história à luz dos processos econômicos e sociais, dividindo-a em quatro momentos: antiguidade, feudalismo, capitalismo e socialismo. Este último seria a síntese definitiva da justiça social.
Em que pese o fato de a própria história ter se encarregado de demonstrar que o socialismo fracassou como modelo de isonomia e justiça social, a teoria de Marx e Engels deixa um importante legado, ao demonstrar que não se deve desprezar a realidade para entender com clareza os cenários contemporâneos e diagnosticar com eficiência as ações necessárias à solução dos problemas.
E um dos problemas persistentes no mundo globalizado é a questão da justiça social, que continua à espera de solução. Com a prevalência do capitalismo, o capital privado e as empresas tornam-se atores vitais na promoção da justiça social. A começar pela redistribuição do capital, mediante o pagamento de salários.
Entretanto, a distribuição do capital na figura dos salários não é o único vetor da justiça social, que deve ser entendida, na prática, como a capacidade de uma nação de democratizar os indicadores que constituem o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), reconhecido pelos organismos internacionais. São eles: expectativa de vida, grau de escolaridade e renda "per capita".
A rigor, a massa salarial atende diretamente ao item renda "per capita", embora também se possa aludir a sua influência nos demais. Acontece que o PIB planetário e sua distribuição pouco equilibrada não permitem -pelo menos até agora- que o salário seja o único instrumento da justiça social.
Poderíamos imaginar um mundo perfeito, em que o sistema capitalista suprisse todos com salários suficientes para garantir à totalidade das famílias acesso a condições adequadas nas seguintes necessidades: moradia salubre, saúde e alimentação (esses três indicadores refletem o item "expectativa de vida" do IDH) e grau de escolaridade.
A realidade, porém, é outra. Historicamente, coube ao Estado suprir a demanda social não coberta pela massa dos salários. Ficou também sob sua responsabilidade o investimento em infra-estrutura, como saneamento básico e ambiental, por exemplo, fator igualmente importante para o estabelecimento de níveis adequados de vida (estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento mostra: cada investimento que amplie em 1% o acesso da população de baixa renda aos serviços de saneamento básico corresponde a uma redução de 6% da mortalidade infantil).
Acontece que o Estado, mesmo nas economias mais desenvolvidas, jamais conseguiu atender sozinho à demanda social e de infra-estrutura. O quadro foi se agravando paulatinamente, principalmente a partir dos anos 60.
Os déficit públicos de numerosos países, paralelamente ao aumento da demanda social, diminuíram a capacidade de investimento estatal (no caso específico da infra-estrutura, surge no país um modelo que possibilita a parceria entre Estado e iniciativa privada. Cabe ao primeiro estabelecer as normas e fiscalizar; à segunda, investir e operar os sistemas).
Ao mesmo tempo, a democracia também foi se consolidando como o sistema político prevalente, com a queda sistemática dos regimes autoritários na América Latina, Europa e Ásia.
A somatória da democracia com a demanda social não coberta pelo Estado abre amplo espaço para que a sociedade civil organizada possa tornar-se agente significativo das ações voltadas à melhoria da qualidade de vida, ao resgate dos excluídos e à democratização das oportunidades.
No Brasil, que detém o nono PIB do mundo, mas ocupa o 63º lugar no ranking do IDH, esse engajamento é muito importante, podendo configurar-se como a síntese da justiça social.


Ruy Martins Altenfelder Silva, 58, empresário, é presidente da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) e diretor-geral do Instituto Roberto Simonsen da Fiesp/Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).



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