|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Fragilidade bem brasileira
SALOMÃO QUADROS
A crise das Bolsas de Valores,
além das vítimas financeiras que
fez, demoliu o mito de que reservas cambiais elevadas funcionam
como uma blindagem contra franco-atiradores que desafiam autoridades monetárias. Quando o tiroteio começa, as reservas são sugadas com estonteante rapidez.
Como a travessia brasileira rumo
à estabilização definitiva ainda
não pode prescindir de uma certa
calmaria cambial, o que até há
pouco era tido como elementar
tornou-se mais arriscado. O risco
vem da Ásia, mas as fragilidades
são bem brasileiras.
A mais aparente delas é o déficit
em conta corrente do balanço de
pagamentos, calculado em 4,3%
do PIB. Esse indicador não deverá
se alterar neste ano. Se o montante
do déficit de 1997, da ordem de
US$ 35 bilhões, for o mesmo em
1998, o que é plausível, e o PIB
crescer 1,5%, o que é ainda mais
plausível, o indicador cai para
4,2% do PIB.
Mesmo que o déficit da balança
comercial seja reduzido, há despesas com serviços que continuarão
a crescer. Um exemplo é a remessa
de lucros. No ano passado, esse
item cresceu aproximadamente
150% em relação a 1996. Com o aumento da base de capital estrangeiro investido no país, essas remessas devem seguir em elevação.
Nos anos 50, quando o nacionalismo econômico fervilhava, as remessas de lucros tinham a conotação de assalto às reservas do país.
Regulamentações ingênuas ou
ineptas impediam remessas oriundas de reinvestimentos. Tudo o
que conseguiram foi alongar o
passeio do capital estrangeiro,
que, em vez de ser reinvestido, era
repatriado para voltar como investimento novo.
Na época, vigoravam taxas múltiplas de câmbio, e as remessas
eram feitas a um câmbio sobrevalorizado. Nestes tempos de globalização, não fica bem falar mal de
remessas de lucros. Mas que elas
são uma sangria com forte teor especulativo, isso elas são.
Uma forma de reduzir o déficit
em conta corrente, bem ao gosto
do FMI, é cortar o déficit do setor
público. Se esse corte em nada afetar o setor privado, os dois déficits
se irmanam e o corte de um é o do
outro. A dificuldade é o setor privado não ser afetado.
Um bom exemplo é o caso mexicano. Lá, enquanto a situação fiscal melhorava, o déficit em conta
corrente piorava. Quando a crise
finalmente se abateu, em dezembro de 1994, o México tinha saldo
fiscal, mas um déficit em conta
corrente de 8% do PIB. A poupança do setor privado tinha sido deslocada na mesma proporção em
que a conta corrente havia se deteriorado.
O Brasil de hoje enquadra-se melhor do que o México de 1994 no
cenário previsto nos manuais do
fundo. O déficit nominal do setor
público é semelhante ao das contas externas. Só que este, como já
foi salientado, é rígido a curto prazo.
Desse modo, o ajuste fiscal, necessário como fundamento, se
posto em prática, terá efeitos contracionistas mais imediatos sobre
o setor privado. Isso, porém, não é
motivo para que seja postergado.
É fácil ver que o ponto crítico de
todo esse raciocínio é a taxa de
câmbio. Com a aceleração das desvalorizações nominais, ainda que
conservando-se o padrão de previsibilidade, o ajuste fiscal torna-se
menos recessivo e mais eficaz na
redução do desequilíbrio externo.
Combinar aceleração com previsibilidade não fará mal à inflação
e, de quebra, aumentará a imunidade do país contra crises, gripes e
outras ameaças asiáticas.
Salomão Quadros, 41, engenheiro e economista, é chefe do Banco de Dados do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|