São Paulo, terça, 6 de janeiro de 1998.




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ARTIGO
Fragilidade bem brasileira

SALOMÃO QUADROS
A crise das Bolsas de Valores, além das vítimas financeiras que fez, demoliu o mito de que reservas cambiais elevadas funcionam como uma blindagem contra franco-atiradores que desafiam autoridades monetárias. Quando o tiroteio começa, as reservas são sugadas com estonteante rapidez.
Como a travessia brasileira rumo à estabilização definitiva ainda não pode prescindir de uma certa calmaria cambial, o que até há pouco era tido como elementar tornou-se mais arriscado. O risco vem da Ásia, mas as fragilidades são bem brasileiras.
A mais aparente delas é o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, calculado em 4,3% do PIB. Esse indicador não deverá se alterar neste ano. Se o montante do déficit de 1997, da ordem de US$ 35 bilhões, for o mesmo em 1998, o que é plausível, e o PIB crescer 1,5%, o que é ainda mais plausível, o indicador cai para 4,2% do PIB.
Mesmo que o déficit da balança comercial seja reduzido, há despesas com serviços que continuarão a crescer. Um exemplo é a remessa de lucros. No ano passado, esse item cresceu aproximadamente 150% em relação a 1996. Com o aumento da base de capital estrangeiro investido no país, essas remessas devem seguir em elevação.
Nos anos 50, quando o nacionalismo econômico fervilhava, as remessas de lucros tinham a conotação de assalto às reservas do país. Regulamentações ingênuas ou ineptas impediam remessas oriundas de reinvestimentos. Tudo o que conseguiram foi alongar o passeio do capital estrangeiro, que, em vez de ser reinvestido, era repatriado para voltar como investimento novo.
Na época, vigoravam taxas múltiplas de câmbio, e as remessas eram feitas a um câmbio sobrevalorizado. Nestes tempos de globalização, não fica bem falar mal de remessas de lucros. Mas que elas são uma sangria com forte teor especulativo, isso elas são.
Uma forma de reduzir o déficit em conta corrente, bem ao gosto do FMI, é cortar o déficit do setor público. Se esse corte em nada afetar o setor privado, os dois déficits se irmanam e o corte de um é o do outro. A dificuldade é o setor privado não ser afetado.
Um bom exemplo é o caso mexicano. Lá, enquanto a situação fiscal melhorava, o déficit em conta corrente piorava. Quando a crise finalmente se abateu, em dezembro de 1994, o México tinha saldo fiscal, mas um déficit em conta corrente de 8% do PIB. A poupança do setor privado tinha sido deslocada na mesma proporção em que a conta corrente havia se deteriorado.
O Brasil de hoje enquadra-se melhor do que o México de 1994 no cenário previsto nos manuais do fundo. O déficit nominal do setor público é semelhante ao das contas externas. Só que este, como já foi salientado, é rígido a curto prazo.
Desse modo, o ajuste fiscal, necessário como fundamento, se posto em prática, terá efeitos contracionistas mais imediatos sobre o setor privado. Isso, porém, não é motivo para que seja postergado.
É fácil ver que o ponto crítico de todo esse raciocínio é a taxa de câmbio. Com a aceleração das desvalorizações nominais, ainda que conservando-se o padrão de previsibilidade, o ajuste fiscal torna-se menos recessivo e mais eficaz na redução do desequilíbrio externo.
Combinar aceleração com previsibilidade não fará mal à inflação e, de quebra, aumentará a imunidade do país contra crises, gripes e outras ameaças asiáticas.


Salomão Quadros, 41, engenheiro e economista, é chefe do Banco de Dados do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas.



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