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LUÍS NASSIF
O incrível
senhor Olsen
Não sei como é Robert Olsen, ex-vice-cônsul de um
consulado americano no Rio
de Janeiro. Tenho idéia vaga,
aliás, do que venha a ser um
vice-cônsul. Imagino o tipo
meticuloso, que trabalha numa escrivaninha cheia de carimbos, com escaninhos lotados de papéis irrepreensivelmente organizados.
Se não fosse voar demais,
ousaria imaginar o senhor Olsen com pincenê, ou óculos
apoiados na testa, uma Bic
pendurada na orelha, um
elástico segurando a manga
da camisa, tal qual um personagem de Mark Twain.
Para cumprir carreira e chegar a vice-cônsul, o senhor Olsen deve ser do tipo sistemático, previsível, incapaz de
grandes apostas ou de grandes
riscos. Como vice-cônsul, o senhor Olsen deve ter horror a
riscos. Sua única extravagância, aliás, foi tornar-se ex-vice-cônsul. Trata-se de carreira tão previsível e burocratizada que vice-cônsul torna-se
cônsul e, depois, se não vierem
mais promoções, cônsul aposentado. Mas quase nunca
ex-vice-cônsul.
No entanto, o senhor Olsen
virou ex por conta de solidariedade humana. Mais que isso: solidariedade a um grupo
de mulatinhos e negros de um
país tropical, onde provavelmente ele tinha amarrado seu
burro apenas por exigências
burocráticas de seu cargo.
Durante vários meses, brasileiros foram vítimas de racismo. Não do racismo disfarçado de brasileiros contra brasileiros, mas de um racismo
mais abjeto, posto que de um
Estado estrangeiro, atuando
em pleno território nacional.
Crianças em viagens de férias, técnicos em viagens de
estudos, trabalhadores à procura de trabalho, ninguém foi
poupado pelos consulados
americanos incumbidos de
conceder o visto de entrada
nos Estados Unidos. Bastava
apenas que não fossem brancos ou não tivessem aparência
"apresentável", seja lá isso o
que fosse, para ter o visto negado.
Fora poucas reportagens indignadas da mídia -com
pais de uma criança negra
discriminada em uma viagem
à Disneyworld-, nenhuma
reação maior se ouviu, e nenhuma ação mais sistemática
foi empreendida contra a discriminação. Aceitou-se como
verdade que a criança negra
não fora discriminada, mas
apenas vítima de trapalhadas
burocráticas.
É nesse contexto que surge o
anti-herói, senhor Olsen. Sem
invocar Zumbi, sem politizar,
sem pretender transformar-se
em herói da contracultura, ele
resolve enfrentar uma das
mais poderosas instituições
americanas, o Departamento
de Estado, e recusa-se a continuar na missão desprezível de
discriminar pessoas pela cor.
Depois, entra com uma ação
contra o departamento, na
qual tornou-se vitorioso na
semana passada.
Imagino que, na qualidade
de vice-cônsul, no seu último
dia de trabalho o senhor Olsen chegou mais cedo, abriu
sua escrivaninha, despachou
até o último processo, para
não deixar trabalho pendente. Depois, guardou os carimbos nos respectivos lugares,
preparou uma cartinha burocrática com dizeres simples,
próprio dos anti-heróis, pegou
sua pastinha e foi para a casa.
Assim, sem nenhum appeal.
Desde já, o senhor Olsen é
meu candidato oficial a tema
de escola de samba para o
Carnaval de 99. E que o samba-enredo tenha por título
"ode ao gringo amigo".
E-mail: lnassif@uol.com.br
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