São Paulo, terça-feira, 06 de janeiro de 2004

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CÂMBIO

Desvalorização gradual deve favorecer economia americana, dizem economistas

Analistas não esperam colapso do dólar

JONATHAN FUERBRINGER
DO "NEW YORK TIMES"

O dólar caiu de novo diante da maior parte das moedas do mundo em 2003, apresentando seu terceiro pior desempenho desde que começou a ser negociado livremente, nos anos 70. Foi o segundo declínio anual consecutivo do dólar, e muitos analistas prevêem nova queda neste ano.
Se for moderado, um declínio seria em geral bom para as empresas dos EUA e para os norte-americanos investindo no exterior. Mas uma queda de muitos pontos percentuais, que alguns analistas consideram possível, poderia solapar os mercados financeiros no país e no exterior.
Robert Sinche, diretor mundial de estratégia de câmbio no Citigroup, espera que o dólar volte a cair no começo do ano e depois se recupere, terminando 2004 em alta de mais de 6% sobre o euro, cuja cotação ele prevê em US$ 1,18.
Mas adverte que a recuperação pode ter fôlego curto. "A tendência a um dólar mais fraco existe", disse, o que significa que o declínio pode ser retomado em 2005.
Em análise mais pessimista, David Gilmore, sócio da consultoria Foreign Exchange Analytics, prevê que o dólar possa cair em até 13% neste ano -o euro terminaria 2004 cotado a US$ 1,45.
Isso colocaria o valor da moeda norte-americana de volta ao patamar de 1995, quando atingiu seu ponto mais baixo diante do marco alemão, uma das 12 moedas que compõem o euro, desde 1971.
"O dólar é um animal debilitado", disse Gilmore. E advertiu que existe chance de que o declínio venha rápido o bastante para que "as coisas fiquem bem feias, para causar desordens nos mercados e para provocar alta nas taxas de juros e queda nas Bolsas".
Determinar se o dólar continuará caindo -e, em caso positivo, quanto e com que velocidade- depende até certo ponto do governo Bush, que alega apoiar um dólar forte, por um lado, mas vem pressionando China e Japão para que valorizem suas moedas e permitam queda da divisa norte-americana, por outro. Acredita-se que isso seja parte de uma estratégia eleitoral que ajudaria as empresas norte-americanas a ganhar competitividade.
O Federal Reserve (banco central dos EUA) também será um jogador importante, já que deve começar a elevar sua meta para os juros de curto prazo neste ano. Os analistas de câmbio estão divididos quanto ao efeito dos juros mais altos sobre o dólar.
Alguns argumentam que os aumentos de juros do Fed confirmarão que a economia está de volta a um ritmo sólido e firme de crescimento, que deve ajudar a manter em movimento a recuperação da Bolsa. Se as ações subirem o bastante e os juros forem altos o bastante, mais investidores estrangeiros poderiam ser atraídos aos mercados norte-americanos.
Outros analistas advertem que no passado o dólar foi solapado quando o Fed aumentou as taxas de juros. O último ciclo de aumento de juros do Fed aconteceu em 1994, e em 1995 o dólar respondeu caindo em nível recorde diante do marco alemão e do iene.
E temos ainda a China e o Japão, que impediram o dólar de cair ainda mais do que aconteceu em 2003. A moeda chinesa está ancorada ao dólar, de modo que em lugar de subir com relação a ele no ano passado, manteve seu valor, limitando a queda do dólar no mercado como um todo. Mas, se essa âncora for removida, o dólar poderia cair em relação à maioria das moedas asiáticas.
O governo japonês gastou US$ 187 bilhões, ou mais de 20 trilhões de ienes, em intervenções nos mercados de câmbio, adquirindo dólares para conter a queda do iene. Uma alta no iene poderia prejudicar os exportadores do país.
O governo jamais gastara tanto para impedir que o iene subisse, e muitos operadores e analistas de câmbio agora brincam que a moeda japonesa, está operando com uma âncora cambial.
Sem essa intervenção, o dólar, que caiu 9,6% diante do iene no ano passado, poderia ter caído até 16%, dizem alguns analistas. E devido à intervenção, eles acreditam que o dólar não deva cair tanto diante do iene quanto com relação ao euro, este ano. Algumas previsões falam em declínio de apenas 4% a 5%.
Por fim, a economia e os mercados de ações norte-americanos sofrerão impacto. Até agora, a retomada do crescimento no país e a alta nas Bolsas não influenciaram o dólar. O ambiente de baixas taxas de juros e o déficit recorde em conta corrente norte-americana, que mede o balanço comercial de bens e serviços dos EUA com o resto do mundo, podem tornar o investimento no país menos atraente para os estrangeiros.
O dólar caiu 12,1% diante do euro do começo da recuperação da Bolsa, em março, ao final do ano; a queda para o ano como um todo atingiu os 16,5%, com o euro cotado a US$ 1,2572 dólar. Diante do iene, a moeda norte-americana caiu a 107,35 ienes.
Os norte-americanos que investem no exterior se beneficiarão da fraqueza do dólar, já que os ganhos externos aumentam quando são traduzidos para moeda local. Em 2003, os retornos do mercados de ações no exterior, medidos pelo índice mundial Morgan Stanley Capital International e excluindo os EUA, quase duplicaram para os investidores norte-americanos. O retorno de 19,9% em moedas locais dos países que compõem o índice se traduziu em 37,5% de ganho em dólares.
Os exportadores e a economia dos Estados Unidos em geral também se beneficiam do dólar em queda, já que os produtos norte-americanos ganham competitividade de preços no exterior, enquanto os importados se tornam mais caros no país, o que ajuda os concorrentes locais.
Além disso, uma queda modesta do dólar é o que a maior parte dos economistas receita como antídoto de longo prazo ao déficit crescente do país em conta corrente, que atingiu o recorde anual de US$ 500 bilhões.
Mas os norte-americanos terão de pagar muito mais em viagens de negócios ou lazer ao exterior.
Uma queda pronunciada do dólar é possível porque o agravamento do déficit em conta corrente requer fluxo incessante de dinheiro externo para cobrir a diferença cada vez maior.
A maior parte dos analistas, porém, prevê declínio ordeiro, e não um mergulho, em parte porque a queda do dólar até agora não prejudicou os mercados de ações nem o de títulos públicos.


Tradução de Paulo Migliacci

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