São Paulo, terça-feira, 06 de janeiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Brasileiro

BENJAMIN STEINBRUCH

Com todo o respeito, acho que o meu amigo Armínio Fraga pisou na bola ao dizer, dias atrás, que a forte presença dos bancos estatais, especialmente do BNDES, inibe o fortalecimento do setor bancário privado e do mercado de capitais no Brasil.
O Brasil não pode prescindir do BNDES, nosso único agente financeiro de longo prazo em reais. Mesmo em um ano difícil, com fortes restrições orçamentárias e baixa demanda, o banco liberou em 11 meses R$ 9 bilhões para micro, pequenas e médias empresas, R$ 4,8 bilhões para a compra de máquinas e equipamentos. Só em novembro, concedeu R$ 4 bilhões para financiar exportações, principalmente de automóveis e aviões brasileiros, e ofertou R$ 2 bilhões para caminhoneiros autônomos comprarem veículos novos.
Infelizmente, apesar dos esforços e avanços recentes, o país não tem ainda um mercado de capitais capaz de suprir as necessidades, como essas, de financiamento em longo prazo. E, mesmo que houvesse um mercado de capitais mais eficiente, ainda assim um banco como o BNDES seria fundamental para o desenvolvimento brasileiro.
Apoio e crescimento de setores estratégicos jamais se dão por meros impulsos do mercado. Como disse o presidente do BNDES, Carlos Lessa, em entrevista à Folha, "não é o capital estrangeiro que dá a partida para dinamizar a economia". Os países precisam primeiro se articular e, quando são bem-sucedidos, aí sim atraem o capital estrangeiro. Por isso, cabe ao Brasil estabelecer um plano de prioridades nacionais, sustentado por instituições brasileiras, como o BNDES. Ao fazer isso, nem estamos dando demonstração de inteligência ou criatividade. Simplesmente se trata de copiar o que já foi feito, deu certo e continua dando certo em países como Estados Unidos, Japão, Canadá, Alemanha e outros, que têm bancos de desenvolvimento semelhantes ao BNDES.
Considero excelente e correta a atuação de Lessa e de sua diretoria, que enfrentou muitas críticas em seu primeiro ano de gestão no BNDES. Uma de suas estratégias, já bastante explicitada, é a de manter setores importantes como mineração, siderurgia, celulose, petroquímica e indústria naval, entre outros, em mãos do capital nacional. Mais do que isso, Lessa considera que esses setores precisam se internacionalizar, adquirindo empresas ou participações em companhias estrangeiras.
Lessa foi deslealmente criticado, em novembro, quando o BNDES comprou 8,5% do capital da Valepar, holding que controla a Vale do Rio Doce, numa operação de R$ 1,5 bilhão. Uma crítica dizia que a iniciativa visava à reestatização da companhia. Outra sustentava que o banco havia pago ágio excessivo (3,5% sobre o valor de mercado das ações). As duas se mostraram infundadas. A primeira, porque o objetivo da compra foi evitar que um grupo japonês, já detentor de 18,25% do capital votante da Valepar, tivesse porta aberta para adquirir direito de veto na Vale. Se isso ocorresse, a empresa, de importância estratégica para o desenvolvimento, estaria escapando do controle brasileiro. A segunda crítica também foi rebatida pelos fatos. Em pouco tempo, revelou-se que o banco fez um excelente negócio, embora esse não fosse o objetivo, porque o valor das ações adquiridas já subiu 25% no mercado.
Nas mãos de Carlos Lessa, o BNDES pode recuperar a sua função específica de apoiar o desenvolvimento. Por longos anos, em razão de uma visão equivocada, que considerava nacionalismo como sinônimo de xenofobia, as empresas nacionais ficaram relegadas à sua própria sorte. Acuadas por juros elevados, sem crédito de longo prazo e com deficiências de capital, essas empresas se transformaram em presas fáceis para o capital estrangeiro.
Para crescer, o país precisa aumentar a sua taxa de investimento e o BNDES pode ser o grande instrumento desse processo, desde que não se desvie de sua função principal, que é o apoio ao desenvolvimento. Não faz o menor sentido o BNDES emprestar dinheiro a multinacionais para que comprem empresas brasileiras, estatais ou privadas. Há dias, o banco teve de renegociar a dívida da AES, depois de tomar um calote de US$ 1,2 bilhão, decorrente de empréstimo tomado pela multinacional para comprar a Eletropaulo.
Sob Lessa, o BNDES certamente não mais fará operações como essa, que se transformam em esqueletos assustadores para as futuras administrações. Se o banco tiver de assumir riscos, é melhor que o faça internamente, com empresas nacionais de todos os tamanhos, para que se tornem competitivas e possam, no presente e no futuro, gerar mais empregos para mais brasileiros.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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