São Paulo, sexta-feira, 06 de fevereiro de 2004

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COMÉRCIO EXTERIOR

Propostas não avançam e representantes vão para sala separada para discutir temas mais sensíveis

Negociador da Alca tenta barrar fracasso

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A PUEBLA

O fantasma do fracasso que começou ontem a assombrar a reunião do CNC (Comitê de Negociações Comerciais), a mais alta instância técnica da Área de Livre Comércio das Américas, fez com que à tarde os principais negociadores decidissem "esconder-se" para tentar chegar a um acordo até o meio-dia de hoje (16h em Brasília), prazo original para encerrar a reunião.
"Esconder-se" significa sair da secretaria administrativa da Alca, instalada nos fundos do Centro de Convenções da cidade mexicana de Puebla, na qual se concentram os demais delegados.
Participarão desse esforço final Brasil e Argentina, pelo Mercosul, pelo menos Estados Unidos, México e Canadá, pelo G14, e um dos países caribenhos.
O co-presidente pelo Brasil, embaixador Adhemar Bahadian, garante que há "determinação" de chegar a um acordo. Mas "a hipótese de fracasso está na mente de todo mundo, embora ninguém a queira", como admite o chefe da delegação brasileira, o embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares.
Bahadian já cancelou sua reserva no vôo de volta ao Brasil, marcado para hoje, por temer que a negociação "entre pela madrugada" (de hoje para amanhã).
A razão para os temores é simples: não houve até as 17h de ontem (21h em Brasília) o mais tênue avanço nas negociações. A rigor, os nós idênticos.

Jantar
O único avanço foi um jantar, anteontem, entre delegados dos principais atores (três do Mercosul, cinco do G14, o grupo de países liderado pelos Estados Unidos, e um representante do Caricom, países do Caribe).
"As partes começaram a ouvir umas às outras, quando, até então, apenas reiteravam suas posições", ouviu a Folha de um delegado de país-chave no G14.
Nesse jantar, o embaixador Bahadian desenhou o seguinte teorema: os vice-ministros (que são os que compõem o CNC) tinham recebido um claro mandato da conferência que seus superiores realizaram em novembro em Miami, nos Estados Unidos.
Para cumprir o mandato, "seria preciso um esforço de negociação, porque as pessoas estavam todas trancadas em suas posições", disse também Bahadian.
Terminou com a óbvia constatação de que "não há hipótese de fazer um acordo sobre o conjunto comum de direitos e obrigações definido em Miami sem um esforço concentrado no problema maior, que é agricultura".
Dito e feito: na manhã de ontem, o CNC debruçou-se sobre o nó agrícola, mas com a cautela de fazê-lo pelos pontos supostamente mais fáceis de produzir um acordo entre o G14 e o Mercosul, que são os dois blocos antagônicos, especialmente nesse tema.
Exemplo: os documentos dos dois blocos falam em "eliminação" dos subsídios às exportações agrícolas. Tudo resolvido, então, ao menos nessa área? Não: o G14 insiste em que a eliminação dos subsídios por parte dos países americanos fique condicionada a uma cláusula segundo a qual serão tomadas medidas para contrabalançar os efeitos nocivos de exportações agrícolas subsidiadas de países não-membros do bloco americano.
Fácil de entender: os EUA se recusam a reduzir seus subsídios enquanto a Europa puder continuar a adotá-los.
Durante toda a manhã de ontem, os delegados nem sequer entraram nos outros contenciosos da área agrícola, a saber:
1) a proposta de uma salvaguarda especial para a agricultura, em caso de redução súbita de preços. O Brasil não aceita salvaguarda específica.
2) Os prazos para eliminação de tarifas (já, cinco anos, dez anos e mais de dez anos). "Mais de dez anos não significa abertura", reclama Bahadian, embora o Mercosul esteja propondo esse esquema para bens não-agrícolas.
3) O nó fundamental que é a proposta do G14 segundo a qual, tanto em agricultura como em bens não-agrícolas, haveria a eliminação de barreiras para "substancialmente todo o comércio", mas não para todo ele, como propõe o Mercosul.
Neste último ponto, a dificuldade não vem apenas do G14. "Há vários países que não podem aceitar uma liberalização total, como os do Caribe e os andinos. Não é só uma questão com os Estados Unidos", diz Osvaldo Rosales, chefe da delegação do Chile, um dos países do G14.
Rosales deixa claro o que outros delegados do G14 preferem dizer sem liberar o uso de seus nomes: a moeda de troca para que o Mercosul obtenha a eliminação da palavra "substancialmente" seria melhorar a oferta em serviços, compras governamentais e investimentos.
Em todas essas áreas, o Mercosul prefere que concessões suculentas sejam feitas no segundo trilho da "Alca light" -proposta defendida pelo Brasil-, que são as negociações plurilaterais, não obrigatórias.
"É muito difícil para o Mercosul aceitar esse cruzamento de concessões", diz o embaixador Macedo Soares.
Retruca o chileno Rosales: "Exigir a eliminação de tarifas para todo o comércio é um exercício pouco realista".


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