São Paulo, segunda-feira, 06 de fevereiro de 2006

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POLÍTICA SOCIAL

Secretário da Previdência diz que lei prevê reajuste de acordo com a inflação nos repasses acima do mínimo

Benefício maior não deve ter aumento real

Sérgio Lima - 27.jan.05/Folha Imagem
Helmut Schwarzer, que diz que 20 milhões superam linha de pobreza graças a benefícios do INSS


JULIANNA SOFIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

São remotas as chances de o governo conceder reajuste real para os benefícios de mais de 8 milhões de aposentados e pensionistas do INSS que ganham acima do salário mínimo.
Em entrevista à Folha, por e-mail, o secretário de Previdência Social, Helmut Schwarzer, 36, lembrou que dispositivos constitucionais designam o salário mínimo como piso dos repasses previdenciários. Mas, no caso dos benefícios pagos acima do valor do mínimo, a lei prevê apenas a preservação do poder de compra, ou seja, o governo é obrigado apenas a cobrir as perdas causadas pela inflação registrada no período.
Schwarzer defende a Previdência Social como uma importante política de transferência de renda, atuando no combate preventivo à pobreza. Para ele, embora uma nova onda de reformas nas regras do INSS esteja fora de pauta no momento, elas não podem ser descartadas mais adiante.
"Certamente, o Brasil, em algum momento futuro, terá de fazer reformas no seu sistema previdenciário para que ele possa continuar cumprindo suas funções", afirmou Schwarzer, alemão naturalizado brasileiro e titular da Secretaria de Previdência Social desde que Lula assumiu o cargo.
O secretário disse ainda que o ministério está recalculando a projeção de déficit da Previdência para este ano. No ano passado, quando o governo enviou a proposta orçamentária de 2006 ao Congresso, a previsão mais otimista era que o rombo chegasse a R$ 39 bilhões. Na hipótese mais conservadora, a conta fecharia no vermelho em R$ 41,6 bilhões.
 

Folha - O Ministério da Previdência Social refez a projeção de déficit para 2006, por conta do reajuste de R$ 50 para o salário mínimo?
Helmut Schwarzer -
O modelo de projeção para 2006 está sendo refeito. Para 2005, as previsões apontavam para R$ 39,3 bilhões, mas o resultado registrado foi R$ 37,5 bilhões. Felizmente, menos do que estava projetado. O desempenho favorável da arrecadação ajudou na redução do déficit. Tivemos também um ano com mais geração de emprego formal.

Folha - Os aumentos reais concedidos ao salário mínimo nos últimos anos ajudaram no desequilíbrio das contas da Previdência?
Schwarzer -
Quando o salário mínimo recebe um aumento acima da inflação, há impacto sobre os gastos previdenciários, na medida em que o mínimo é o piso dos benefícios. Esse é um dos fatores que influenciam os gastos da Previdência. Além dele, existem as regras de acesso aos benefícios, os mecanismos gerenciais, o perfil demográfico da população que vai se alterando, o comportamento do mercado de trabalho.

Folha - O senhor acredita que a Previdência Social é o mecanismo mais eficiente para se redistribuir renda no Brasil?
Schwarzer -
A Previdência evita a pobreza ao proteger a população trabalhadora quando ela não está em condições de obter seu rendimento no mercado de trabalho -seja porque atingiu determinada idade, houve um acidente de trabalho, o nascimento de um filho ou algum motivo de incapacidade temporária ou permanente. Para cobrir esses benefícios, a Previdência cobra contribuições, essa é a lógica de funcionamento.
Com isso, as situações de pobreza que ocorreriam na ausência do sistema previdenciário são evitadas, ou seja, a Previdência tem um papel extremamente importante de combate à pobreza no sentido preventivo.
Em 2004, 20 milhões de pessoas estariam abaixo da linha de pobreza se não houvesse a Previdência. Mecanismos reativos de combate ao empobrecimento -como a política de Assistência Social, do Bolsa-Família, dos benefícios da Lei Orgânica de Assistência Social- são extremamente importantes e eficientes, mas agem de modo diferente.
Não é possível misturar conceitualmente esses dois tipos de política social.

Folha - Quais são as projeções de longo prazo, nos próximos dez anos, para o déficit da Previdência?
Schwarzer -
As projeções apontam para um patamar em torno de 2% do PIB. Agora, estamos avaliando e recalibrando as projeções de longo prazo por conta dos últimos resultados.

Folha - O governo atual não realizou uma reforma no sistema de aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada por acreditar não haver desequilíbrio nas contas do INSS. Limitou-se a reformar o sistema dos servidores públicos e ateve-se, basicamente, a mudanças administrativas e gerenciais para reduzir gastos com o Regime Geral. Isso não representa armar uma bomba-relógio para o futuro?
Schwarzer -
A reforma foi extremamente importante no sistema dos servidores públicos e teve um impacto bastante positivo em termos orçamentários. De 2003 para 2004, o desequilíbrio dos regimes de Previdência dos servidores públicos manteve-se constante, não aumentou. Na proporção do PIB, caiu de 3% para 2,6%. Em termos nominais, ou seja, em valores correntes, os déficits desses sistemas somados mantiveram-se em torno de R$ 46 bilhões. A reforma foi fundamental para se manter a sustentabilidade desses Regimes Próprios de Previdência Social.

Folha - Não só no Brasil, como em vários países do mundo, a Previdência Social tem problemas. Fatores demográficos, crescimento econômico, entre outros estão por trás disso. Há necessidade de novas reformas, inclusive no Brasil?
Schwarzer -
Em primeiro lugar, há a necessidade de se esgotar o potencial para ajustes administrativos e gerenciais nos nossos sistemas previdenciários e, portanto, também combater os desperdícios, as fraudes e sonegação de contribuições. Por outro lado, um sistema previdenciário é sempre uma política social, que foi montada pela sociedade para proteger a essa mesma sociedade. E, à medida que essa sociedade vai se transformando, a Previdência Social precisa ser alterada para poder continuar cumprindo suas funções.
É um grande contrato social, um pacto social que está por trás do sistema previdenciário. No Brasil, assim como em qualquer lugar do mundo, à medida que os países, suas economias, suas sociedades, seus mercados de trabalho, suas estruturas demográficas, os valores dessas sociedades, as preferências, os comportamentos reprodutivos, os comportamentos familiares, as formas de emprego forem mudando, haverá necessidade de fazer ajustes nas regras do sistema previdenciário.
Certamente, o Brasil, em algum momento do futuro, continuará tendo que fazer reformas no seu sistema previdenciário para que ele possa continuar cumprindo suas funções.

Folha - Que avaliação a Previdência faz sobre os seis anos de aplicação do fator previdenciário (sistema de cálculo dos benefícios que leva o trabalhador a permanecer mais tempo em atividade para não ter redução no valor da aposentadoria)?
Schwarzer -
O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), num estudo recente quanto ao efeito do fator previdenciário, avaliou que ele efetivamente representa um incentivo para a postergação da idade de aposentadoria. Também serve ao aumento do número de anos de contribuição ao sistema previdenciário.

Folha - A aposentadoria rural é considerada por alguns especialistas um benefício assistencial. Há um dilema Assistência versus Previdência Social?
Schwarzer -
Especialistas que consideram a aposentadoria rural como um benefício assistencial não têm claro qual é o conceito de assistência social. Neste último caso, o benefício está vinculado aos beneficiários estarem em uma situação econômica abaixo da linha de pobreza.

Folha - Todos os anos, o reajuste do salário mínimo é sucedido por uma outra questão: qual será o índice de reajuste dos benefícios acima do mínimo. Para este ano, qual é a projeção de reajuste para esses segurados com base na reposição da inflação?
Schwarzer -
No Orçamento, há uma projeção feita no ano passado com a inflação estimada para o período maio/2005 a abril/2006. Mas, antes de falar sobre valores, é preciso deixar claro o que prevê a Constituição Federal.
Ela diz que os benefícios previdenciários devem ser reajustados de modo a preservar o poder de compra de seus beneficiários. Isso significa que têm de serem reajustados de acordo com um índice de inflação.
A nossa referência para reajustar os benefícios previdenciários é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor do IBGE, que tem cobertura nacional significativa e capta a variação do custo de vida da população com renda entre um e oito salários mínimos -aquela que costuma depender da Previdência Social.


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