São Paulo, quarta-feira, 06 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

EUA não estão em recessão, diz analista

Modelo matemático de pesquisadora da Universidade da Califórnia indica apenas crescimento mais lento dos EUA

"Antes da recessão, há baixo crescimento, porém nem sempre uma fase de avanço mais lento do PIB vira uma recessão", destaca Chauvet

DENYSE GODOY
DA REPORTAGEM LOCAL

Recessão ou não, eis a questão. Em torno dela, cresce o debate entre economistas, empresários, estrategistas do mercado financeiro, políticos. O grupo dos que acreditam que a economia dos EUA já está em um período de retração ou caminha aceleradamente para ele é o que fala cada vez mais alto, brandindo números como a sofrível elevação de 0,6% do PIB americano no último trimestre de 2007 ou o assustador índice de serviços que saiu ontem e derrubou as Bolsas.
Mas, observando os indicadores econômicos, a pesquisadora Marcelle Chauvet faz um diagnóstico mais sereno. "Pode-se dizer que os EUA experimentam um crescimento mais lento, porém não está configurada uma recessão." O seu cálculo refere-se a dezembro, já que ela ainda não tem em mãos os números relativos a janeiro que usa para a sua análise.
Marcelle é a autora do mais conhecido modelo matemático que detecta em tempo real as probabilidades de recessão na economia americana. Professora da Universidade da Califórnia em Riverside, ela graduou-se em economia em 1989 pela Universidade de Brasília, cidade onde nasceu.
Foram as conseqüências econômicas e sociais das recessões no Brasil que a inspiraram a estudar ciclos econômicos. "Senti e vivenciei o seu substancial efeito negativo sobre a confiança das pessoas com relação ao futuro do país e às suas próprias vidas."
Algumas definições colocam os períodos de recessão como a sucessão de dois trimestres de queda do PIB. Nos EUA, as retrações são oficialmente apontadas pelo Escritório Nacional de Pesquisas Econômicas (Nber, da sigla em inglês). Um comitê de sete economistas se reúne e delibera a respeito dos números. Suas decisões podem demorar de 6 a 18 meses, porque o Nber somente trabalha com dados finais -muitos indicadores são revisados e atualizados posteriormente- para não dar alarme falso. Por isso, freqüentemente, as recessões são nomeadas após o fim, como da última vez, em 2001.
O modelo desenvolvido pela pesquisadora Chauvet foi parte da sua tese de doutorado pela Universidade da Pensilvânia, em 1998, e identificou corretamente todas as recessões americanas a partir da Segunda Guerra Mundial.
Leia a seguir trechos da entrevista que a pesquisadora concedeu à Folha, por e-mail e por telefone.

 

FOLHA - O conceito de recessão é bastante complexo. Quais indicadores econômicos o seu modelo considera para poder afirmar se uma economia está em recessão ou não?
MARCELLE CHAUVET
- O Comitê de Ciclos Econômicos do Nber utiliza as séries mensais de vendas de manufaturados, renda pessoal, produção industrial e emprego, além do PIB. No modelo que desenvolvi, emprego essas mesmas variáveis. O modelo basicamente formaliza o processo de datação dos ciclos econômicos, fornecendo probabilidades de recessão mês a mês. A datação resultante do modelo coincide com a datação do Nber. Porém, diferentemente do Nber, o modelo produz uma análise da situação econômica tão logo os dados se tornam disponíveis, com uma defasagem de um a dois meses somente.

FOLHA - A senhora diria que os EUA estão entrando em uma recessão neste momento ou no curto prazo?
CHAUVET
- As probabilidades de recessão nos últimos meses foram de 6,6% em setembro, 11,02% em outubro, 11,53% em novembro e 13,01% em dezembro [considerando dados disponíveis até ontem]. Em geral, uma recessão ocorre quando a probabilidade passa dos 50% por dois meses consecutivos. O modelo indica que o crescimento econômico americano não está tão forte quanto nos anos anteriores, mas as probabilidades de recessão ainda são baixas. A questão que se impõe então é: esse crescimento lento vai se desenvolver em uma recessão? Nos últimos 57 anos, houve nove recessões e 13 fases de crescimento lento. Toda recessão foi precedida de uma fase de crescimento lento, porém nem todas as fases de crescimento lento se tornaram uma recessão.
As duas últimas intervenções do Fed [o Federal Reserve, o BC americano, cortou os juros nos dias 22 e 30 de janeiro], o pacote do presidente George W. Bush e as exportações americanas, afetadas pela significativa desvalorização do dólar recentemente, podem mudar o curso da economia nos próximos meses, sobretudo se tiverem efeito positivo sobre a confiança do consumidor e do investidor e estes continuarem consumindo e investindo. Alguns indicadores antecedentes, como os pedidos de bens duráveis feitos pelo comércio às indústrias, mostram melhora.

FOLHA - Segundo os seus cálculos, qual é a probabilidade de o Brasil entrar em recessão?
CHAUVET
- Desenvolvi alguns modelos para datar recessão no Brasil em moldes similares ao que uso para os EUA. No momento, para a maior parte das variáveis brasileiras que utilizo, só estão disponíveis dados até novembro. Houve um decréscimo da produção industrial do país em novembro, mas outros itens tiveram crescimento nesse mesmo mês, como vendas, emprego e renda real. Assim, a probabilidade de recessão no Brasil em novembro é de somente 6%.

FOLHA - Os fundamentos da economia brasileira se apresentam hoje muito melhores do que nas últimas grandes crises mundiais. Entretanto, não há consenso sobre quão protegido está o país das turbulências externas. Na sua opinião, quais seriam as conseqüências de uma recessão nos EUA para o Brasil?
CHAUVET
- Analisando períodos anteriores, um crescimento lento dos EUA não necessariamente afeta a economia brasileira. Já as recessões americanas são de fato relacionadas com um crescimento negativo da economia brasileira e dos países do G7 (Canadá, França, Alemanha, EUA, Japão, Reino Unido e Itália) e da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) também. Porém, tanto a economia brasileira como as do G7 e da OCDE se mostraram menos sensíveis à última recessão americana, ocorrida em 2001.


Texto Anterior: Setor onde o operador trabalhava não era visto como o de mais risco no banco
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.