São Paulo, Sábado, 06 de Março de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUíS NASSIF

O câmbio e a lógica Tostines

De um ex-ministro da Fazenda, defensor da antiga política cambial, em artigo desta semana: "Os defensores da desvalorização já fizeram seu "hedge" particular. Armaram-se de argumentos para condenar o governo, se a mudança de câmbio der errado. Dirão que houve demora na decisão, que os juros ficaram altos, que o BC operou mal".
Da coluna de 25/09/98: "As contra-indicações (da liberação cambial) residem no risco de mexer no câmbio e perder o controle. Se as mudanças forem feitas de maneira atabalhoada, provocarão uma corrida contra o real, que poderá se desvalorizar muito mais do que o governo planejar. (...) O que os defensores da mudança cambial alegam é que a primeira estratégia (manter a política cambial anterior) não tem futuro. E, quanto mais se demorar para encarar a questão cambial (que consideram inevitável), maior será o risco da mudança".
Ou seja, desde sempre, analistas do porte de Delfim Netto alertavam que, quanto mais se demorasse, maiores seriam os riscos da liberação cambial. Não se trata de engenharia de obras feitas -ditas agora-, mas de alertas feitos na época, antes do desastre.
Não significa que a liberação cambial já fracassou. Significa que a demora em implementá-la e a inércia do BC tornaram as condições mais difíceis -como um paciente que espera pegar pneumonia para se submeter a um tratamento. E a demora se deveu àqueles que, contra todas as evidências, apostavam que a política cambial anterior seria auto-sustentável -não aos que, sabendo que as mudanças eram inevitáveis, propunham antecipá-las.
Do mesmo ex-ministro, em 19/09/98: "O erro do governo não pode ser encontrado na política cambial nem na aceleração da abertura da economia, mas na avaliação insuficiente sobre as dificuldades institucionais e políticas em relação à reforma do Estado e à reconstrução do regime fiscal e tributário".
Ou seja, em setembro do ano passado o ex-ministro dava como passado em julgado que o ritmo das reformas foi insuficiente para a política cambial adotada. Recentemente, publicou novamente um belo artigo -toda vez que ele escreve dá repercussão-, demonstrando que os cortes fiscais exigidos pelo FMI não seriam factíveis, dada a rigidez do Orçamento brasileiro. Ao mesmo tempo em que sustentava que as condições para a manutenção da política cambial anterior não mais existiam, o brilhante cultivador da lógica aristotélica defendia a manutenção da política cambial anterior -que dependia de condições que ele mesmo admitia que não existiam. Entendeu? Nem eu. É a chamada lógica circular Tostines.
Ninguém mais está cobrando os erros de análise cometidos pelos defensores da política cambial anterior, porque deles esse "deus ex-machina" -o mercado- incumbe-se. Mas que tal um pouco de semancol e parar de ficar torcendo pelo desastre completo -apenas para arrumar um álibi para si próprio- e começar a olhar maduramente para a frente?

Aviação
A Transbrasil ganhou centenas de milhões de dólares da União, acusando-a de fixar tarifas abaixo do seu custo. Praticamente todas as companhias aéreas -com exceção de uma- estão operando sem pagar um tostão de impostos.
Por isso mesmo não tem cabimento a pressão que está sendo exercida sobre honestos oficiais da Aeronáutica, para que o Departamento de Aviação Civil (DAC) considere dólar de R$ 1,70 para o cálculo das passagens aéreas internacionais.
Significa o seguinte: vende-se uma passagem internacional por, digamos, R$ 3.000. Com o dólar a US$ 2, o pagamento será convertido em US$ 1.500. Com o dólar a R$ 1,70, a conversão renderá US$ 1.765,00.
Como os acordos aéreos exigem reciprocidade, significará um enorme subsídio dado a todas as companhias estrangeiras e nacionais.

E-mail: lnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Criação & consumo - Marcelo Pires: Filtro 100 ou sem filtro?
Próximo Texto: Negociações com FMI são concluídas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.