São Paulo, terça-feira, 06 de abril de 2004

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LUÍS NASSIF

Santa Izildinha e o Copom

Um dos aspectos menos estudados nas políticas econômicas dos países emergentes é o uso da retórica nas discussões econômicas. O Brasil merecia um estudo à parte, especialmente o discurso econômico desenvolvido nos anos 90 pela extraordinária simplificação e persistência no erro.
A mecânica desse tipo de retórica consiste, em vez de entender a economia como uma realidade complexa, com um conjunto de variáveis inter-relacionadas, em isolar cada variável em um compartimento e apresentar uma resposta específica para ela -mesmo que não faça sentido para o todo.
Este fim de semana foi pródigo em exemplos para futuros estudiosos. Vou me ater ao artigo "Economia e senso comum", do ex-presidente do BC Gustavo Loyola, ao jornal "Valor" de ontem (pág. A13). Escreve ele:
"Ignora-se, propositalmente ou não, que os juros afetam a demanda agregada e que sua redução intempestiva jogaria lenha na fogueira da inflação".
Pode-se batizar essa lei de "uso discricionário dos relativos". É como alguém pegar um subnutrido, passar a dar uma refeição por dia e um analista econômico isento alertar para eventuais riscos com obesidade, já que amanhã ele estará menos magro do que hoje.
"Ao pressionarem o BC por menores taxas de juros, (essas pessoas) não se perguntam sobre o que fariam com suas aplicações financeiras, caso os juros caíssem abaixo da inflação, por exemplo."
O argumento cria uma caricatura -a de que todos os que defendem redução querem taxas negativas de juros- e sai batendo impiedosamente na miragem. E ela nem reage.
"É raro alguém vocalizar a idéia de que as empresas com recursos em caixa também auferem receitas com seus investimentos financeiros e que são também beneficiárias dos juros altos."
Os bancos ganham, mas as grandes empresas também ganham. Que tal Loyola contar quem paga a conta?
"As classes sociais de menor renda são justamente as que mais sofrem as conseqüências do processo inflacionário (...) Talvez aí esteja a razão para alguns manifestarem desinteresse absoluto pelos riscos inflacionários."
Toda a discussão sobre uma política mais competente, que combate a inflação com menos sacrifício, menos desemprego, menos quebradeira, é reduzida a essa fantástica inovação teórica: quem é contra juros altos é a favor da inflação, logo é contra os pobres. Que santa Izildinha abençoe o Copom.
"Ademais, o senso comum aplicado à questão dos juros torna os bancos centrais instituições monstruosas."
Além de "monstruosas" e "infalíveis", não seria possível admitir duas categorias novas de BC: os meramente competentes e os meramente incompetentes?
"A divergência eventual entre o senso comum e os bons princípios da teoria econômica não significa, porém, que as idéias econômicas sejam complicadas. A lei da oferta e da demanda é bem mais intuitiva e de fácil entendimento pelo homem comum do que, por exemplo, a lei da gravidade."
Existe também a conta do "português da esquina" -que juros altos fazem a dívida aumentar a ponto de torná-la não-administrável. Utilizou todo um repertório de senso comum na análise econômica fast food atual e ignorou solenemente o bom senso.


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