São Paulo, quinta-feira, 06 de abril de 2006

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CAPITALISMO VERMELHO

Para representante brasileiro em Washington, transferência de produção é caminho inevitável

Destino de fábricas é a China, diz embaixador

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Transferir ao menos parte da produção para a China será um caminho inevitável para algumas indústrias brasileiras, se elas quiserem sobreviver à concorrência do país asiático. A conclusão foi apresentada ontem pelo embaixador brasileiro em Washington, Roberto Abdenur, que defendeu ainda o abandono da visão "romântica" em relação à China.
Abdenur sustentou que a solidariedade do país asiático em relação ao Brasil e outros países em desenvolvimento é limitada. "A Índia e a China não se apresentam no mundo como países em desenvolvimento, mas como potências", declarou o embaixador durante encontro da versão latino-americana do Fórum Econômico Mundial.
A parceria estratégica com a China esteve no topo da agenda do governo em 2004, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Pequim e recebeu em Brasília seu colega Hu Jintao. Na época, foram anunciados bilhões de dólares de investimentos chineses em infra-estrutura no Brasil, o que não se materializou até hoje. Em contrapartida, o Brasil reconheceu a China como uma economia de mercado, o que também não saiu do papel, mas produziu impactos políticos.
"Sou cético em relação à China como grande investidor no Brasil, como foi o Japão", afirmou Abdenur, que trabalhou como embaixador em Pequim no fim dos anos 80 e no começo dos 90. "Não devemos ter ilusões."
A transferência de produção para a China já é uma realidade na indústria de óleo e farelo de soja, afirmou Carlos Lovatelli, presidente da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) e diretor da Bunge.
"Só exportamos grãos para a China. Acabou a possibilidade de exportar bens de valor agregado", disse Lovatelli. Segundo ele, empresas do mundo todo estão mudando suas fábricas de óleo e farelo de soja para o país asiático. "Exportamos nossa força de trabalho para lá", acrescentou.
A Bunge, por exemplo, não tinha nenhuma fábrica na China até 2004 e hoje possui duas.
Há dez anos, o Brasil exportava apenas óleo e farelo de soja para a China. Em 2005, a quase totalidade das vendas era de soja em grão, que custa metade do preço do óleo. Lovatelli calcula que a transferência das atividades de processamento do Brasil para a China equivalha a 1,5 milhão de toneladas de óleo e farelo por ano, o que dá uma perda líquida de US$ 400 milhões (R$ 880 milhões).
O embaixador Abdenur disse que a abertura de fábricas na China é uma estratégia de internacionalização e sobrevivência das companhias. "A médio e longo prazos, esse processo será saudável para as empresas brasileiras."

Mão-de-obra intensiva
Na opinião do embaixador, os setores intensivos na utilização de mão-de-obra são os principais candidatos a transferir operações para a China -processo conhecido como "outsourcing", amplamente usado por empresas de países desenvolvidos.
Maurício Mesquita Moreira, economista do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), defendeu a integração latino-americana como uma das maneiras de enfrentar a enorme escala do mercado chinês.
O economista destacou que a produtividade do país asiático nos últimos anos cresceu em média 8% a 10% ao ano, enquanto no Brasil o índice ficou entre 3% e 4%. Esse movimento praticamente anulou a vantagem que o Brasil tinha em termos de produtividade em relação à China.
Moreira é contra a tese de transferência de produção. "Nós não temos exatamente um excesso de empregos no Brasil", afirmou.
Outro problema apontado por ele é o crescimento da participação da China na exportação global de produtos manufaturados e a estagnação da América Latina. O país asiático ampliou sua fatia de 1% nos anos 80 para 12% hoje, enquanto o Brasil e seus vizinhos se mantiveram na casa dos 4%.
"O futuro é muito difícil para os produtores de manufaturados. O mundo está congestionado nessa área", disse Moreira, ao lembrar que a Índia é outro país que passou a competir na venda de bens industriais.


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