São Paulo, quinta-feira, 06 de maio de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

O nome da crise

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Desde o começo do ano, o governo brasileiro enfrentou uma série de dificuldades, entrou em parafuso e ainda não conseguiu recobrar inteiramente o seu equilíbrio. O escândalo Waldomiro Diniz detonou a crise, mas não é a sua principal causa. Casos de corrupção não teriam tanto impacto na opinião pública se o governo estivesse apresentando melhor desempenho, em especial na área econômica.
Um dos meus conhecidos de Brasília, alto funcionário do governo, esteve recentemente em São Paulo, contou-me as agruras da administração federal e arrematou, com certa ênfase: "O nome da crise é Joaquim Levy".
Joaquim Levy? O leitor talvez não conheça a história e a glória desse personagem relativamente obscuro, que pouco aparece em público. Trata-se de um dos principais assessores do ministro da Fazenda. Manda mais que o próprio ministro, segundo algumas versões. Ocupa o cargo de secretário do Tesouro Nacional. A sua missão: zelar pelo famigerado superávit primário e pela administração da dívida federal.
O atual secretário do Tesouro é um representante típico da "ortodoxia de galinheiro" que predomina no Brasil há muitos anos. Doutorou-se pela Universidade de Chicago, o grande bastião do conservadorismo econômico nos EUA. Integrou por muitos anos os quadros do FMI. Exerceu cargos secundários na equipe econômica do governo Fernando Henrique Cardoso. Agora corta os gastos e vigia as contas do governo Lula.
A julgar pelas suas escassas entrevistas, o secretário do Tesouro economiza não só gastos mas também idéias. De acordo com esse tipo de tecnocrata, tudo se resume, essencialmente, a seguir regras simples e claras e a defender com unhas e dentes o cumprimento das metas fiscais e de inflação. A promessa é que esse esforço será recompensado, mais cedo ou mais tarde, pelos mercados financeiros e pelos investidores. O risco Brasil diminuirá, as taxas de juro poderão cair e os investimentos do setor privado serão retomados vigorosamente. Estamos aguardando.
Obviamente, o secretário do Tesouro é apenas um entre muitos. O Ministério da Fazenda e o Banco Central estão infestados de joaquins levys. Todos mais ou menos parecidos, como soldadinhos de chumbo. Sabemos que todo governo precisa de pessoas desse tipo, obcecadas com as contas públicas e os princípios financeiros. O problema é que no Brasil esses tecnocratas adquiriram um poder desproporcional. Tornaram-se a força hegemônica na administração federal e costumam dificultar o funcionamento da máquina estatal e sufocar os investimentos públicos. Os ministros de Estado e o próprio presidente da República esperneiam, impotentes, enquanto os joaquins levys transmitem, impávidos, os recados do FMI e dos mercados.
Esperava-se que, com o passar do tempo, o presidente fosse aos poucos retomar a iniciativa. Nada disso. Desde o início do ano, a área econômica resolveu radicalizar. As inovações e medidas de flexibilização estão sendo abandonadas ou reduzidas a proporções insignificantes.
O Banco Central, por exemplo, imaginou riscos de inflação e vem conduzindo a política monetária de forma inesperadamente rígida desde janeiro. Um segundo exemplo: a proposta de uma política fiscal anticíclica, que chegou a ser formalmente apresentada pelo governo para ter início em 2005, foi abandonada sem maiores explicações. Não preciso nem falar no reajuste constrangedor do salário mínimo.
Outro episódio constrangedor: há poucos meses, o presidente da República tomou a iniciativa de telefonar para todos os principais líderes mundiais e defender a idéia de uma mudança no tratamento dos investimentos públicos, especialmente em infra-estrutura. O que o presidente Lula buscava, legitimamente, era que o FMI aceitasse excluir do cálculo das suas metas fiscais certos investimentos (em transporte e energia, por exemplo), considerados fundamentais para assegurar o crescimento sustentado do Brasil e de outros países em desenvolvimento.
A reação inicial dos governos dos países desenvolvidos não parece ter sido negativa. Ah, leitor, mas não se deve subestimar a "ortodoxia de galinheiro" local. Ficou patente, desde o início, que os joaquins levys não estavam nada entusiasmados com a idéia encampada pelo presidente. A sua preocupação era evitar a impressão de que o governo brasileiro pretendia flexibilizar a política fiscal e comprometer o superávit primário.
Posso imaginar o que tenha acontecido. Por trás do pano, a equipe econômica articulou-se com o FMI para esvaziar discretamente a iniciativa. Na semana passada, foi anunciado o sensacional resultado: em 2005, o FMI fará alguns estudos e projetos piloto para avaliar a viabilidade de dar tratamento contábil diferenciado para alguns investimentos públicos. A montanha presidencial pariu um rato.
O governo que se acautele. Com esse tipo de mentalidade restritiva, a equipe econômica acabará afundando o governo inteiro.
Em breve, os brasileiros passarão a dizer: "O nome da crise é Antonio Palocci Filho". Ou pior ainda: "O nome da crise é Luiz Inácio Lula da Silva".


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

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