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OPINIÃO ECONÔMICA
O nome da crise
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Desde o começo do ano, o governo brasileiro enfrentou
uma série de dificuldades, entrou
em parafuso e ainda não conseguiu recobrar inteiramente o seu
equilíbrio. O escândalo Waldomiro Diniz detonou a crise, mas
não é a sua principal causa. Casos
de corrupção não teriam tanto
impacto na opinião pública se o
governo estivesse apresentando
melhor desempenho, em especial
na área econômica.
Um dos meus conhecidos de
Brasília, alto funcionário do governo, esteve recentemente em
São Paulo, contou-me as agruras
da administração federal e arrematou, com certa ênfase: "O nome da crise é Joaquim Levy".
Joaquim Levy? O leitor talvez
não conheça a história e a glória
desse personagem relativamente
obscuro, que pouco aparece em
público. Trata-se de um dos principais assessores do ministro da
Fazenda. Manda mais que o próprio ministro, segundo algumas
versões. Ocupa o cargo de secretário do Tesouro Nacional. A sua
missão: zelar pelo famigerado superávit primário e pela administração da dívida federal.
O atual secretário do Tesouro é
um representante típico da "ortodoxia de galinheiro" que predomina no Brasil há muitos anos.
Doutorou-se pela Universidade
de Chicago, o grande bastião do
conservadorismo econômico nos
EUA. Integrou por muitos anos os
quadros do FMI. Exerceu cargos
secundários na equipe econômica
do governo Fernando Henrique
Cardoso. Agora corta os gastos e
vigia as contas do governo Lula.
A julgar pelas suas escassas entrevistas, o secretário do Tesouro
economiza não só gastos mas
também idéias. De acordo com
esse tipo de tecnocrata, tudo se resume, essencialmente, a seguir regras simples e claras e a defender
com unhas e dentes o cumprimento das metas fiscais e de inflação. A promessa é que esse esforço
será recompensado, mais cedo ou
mais tarde, pelos mercados financeiros e pelos investidores. O risco
Brasil diminuirá, as taxas de juro
poderão cair e os investimentos
do setor privado serão retomados
vigorosamente. Estamos aguardando.
Obviamente, o secretário do Tesouro é apenas um entre muitos.
O Ministério da Fazenda e o Banco Central estão infestados de joaquins levys. Todos mais ou menos
parecidos, como soldadinhos de
chumbo. Sabemos que todo governo precisa de pessoas desse tipo, obcecadas com as contas públicas e os princípios financeiros.
O problema é que no Brasil esses
tecnocratas adquiriram um poder desproporcional. Tornaram-se a força hegemônica na administração federal e costumam dificultar o funcionamento da máquina estatal e sufocar os investimentos públicos. Os ministros de
Estado e o próprio presidente da
República esperneiam, impotentes, enquanto os joaquins levys
transmitem, impávidos, os recados do FMI e dos mercados.
Esperava-se que, com o passar
do tempo, o presidente fosse aos
poucos retomar a iniciativa. Nada disso. Desde o início do ano, a
área econômica resolveu radicalizar. As inovações e medidas de
flexibilização estão sendo abandonadas ou reduzidas a proporções insignificantes.
O Banco Central, por exemplo,
imaginou riscos de inflação e vem
conduzindo a política monetária
de forma inesperadamente rígida
desde janeiro. Um segundo exemplo: a proposta de uma política
fiscal anticíclica, que chegou a ser
formalmente apresentada pelo
governo para ter início em 2005,
foi abandonada sem maiores explicações. Não preciso nem falar
no reajuste constrangedor do salário mínimo.
Outro episódio constrangedor:
há poucos meses, o presidente da
República tomou a iniciativa de
telefonar para todos os principais
líderes mundiais e defender a
idéia de uma mudança no tratamento dos investimentos públicos, especialmente em infra-estrutura. O que o presidente Lula buscava, legitimamente, era que o
FMI aceitasse excluir do cálculo
das suas metas fiscais certos investimentos (em transporte e
energia, por exemplo), considerados fundamentais para assegurar
o crescimento sustentado do Brasil e de outros países em desenvolvimento.
A reação inicial dos governos
dos países desenvolvidos não parece ter sido negativa. Ah, leitor,
mas não se deve subestimar a "ortodoxia de galinheiro" local. Ficou patente, desde o início, que os
joaquins levys não estavam nada
entusiasmados com a idéia encampada pelo presidente. A sua
preocupação era evitar a impressão de que o governo brasileiro
pretendia flexibilizar a política
fiscal e comprometer o superávit
primário.
Posso imaginar o que tenha
acontecido. Por trás do pano, a
equipe econômica articulou-se
com o FMI para esvaziar discretamente a iniciativa. Na semana
passada, foi anunciado o sensacional resultado: em 2005, o FMI
fará alguns estudos e projetos piloto para avaliar a viabilidade de
dar tratamento contábil diferenciado para alguns investimentos
públicos. A montanha presidencial pariu um rato.
O governo que se acautele. Com
esse tipo de mentalidade restritiva, a equipe econômica acabará
afundando o governo inteiro.
Em breve, os brasileiros passarão a dizer: "O nome da crise é
Antonio Palocci Filho". Ou pior
ainda: "O nome da crise é Luiz
Inácio Lula da Silva".
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail -
pnbjr@attglobal.net
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