São Paulo, quinta-feira, 06 de junho de 2002

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LUÍS NASSIF

O voluntarismo do BC

Independentemente do que possa ocorrer no plano da política monetária, haverá volatilidade grande no mercado por conta das eleições presidenciais. Mas o Banco Central contribuiu decisivamente para o nervosismo das últimas semanas. Não se tratou de apenas uma ação equivocada, mas de um conjunto delas.
A ação do BC visou prevenir dois processos inerentes ao momento atual, de transição somada à fragilidade das contas internas e externas: a volatilidade do mercado de títulos e do mercado cambial. Nessas fases de transição, o mercado foge dos títulos longos e se refugia no dólar.
Desde que foram criadas pelo então diretor do BC no governo Sarney Luiz Carlos Mendonça de Barros, as LFTs (Letras Financeiras do Tesouro) se constituíram no papel da transição por excelência, posto que amarradas à taxa Selic (a taxa de negociação dos títulos públicos).
Na mais medíocre fase econômica das últimas décadas -a gestão Mailson da Nóbrega, no final do governo Sarney-, o dólar era vendido com ágio de 100%, mas as LFTs atravessaram incólumes o período. No ano passado, em plena crise argentina, o dólar foi a R$ 2,80, mas as LFTs seguiram firmes. Elas se tornaram o papel por excelência dos investidores conservadores, dos bancos estatais e grandes bancos e de seus fundos.
Pois foi esse papel que o BC colocou em risco com sua atuação.
Neste ano havia a rolagem de grande volume de LTNs cambiais. No vencimento do papel, o BC passou a oferecer "swap" de câmbio (seguro), mas amarrado a LFTs de prazo mais longo.
Acabou colocando muito mais LFTs do que o mercado comportava, e com prazos muito longos. Pior, poluiu o papel, passando a atrelar a venda de dólar futuro -que tem risco cambial- com LFT, que é título de dívida pública. A dívida pode ser dolarizada, prefixada ou amarrada na Selic. Mas não se pode atrelá-la ao dólar para proporcionar hedge cambial ao mercado.
Embora seja papel com larga demanda, o Banco Central passou a oferecer mais LFT do que o mercado comportava. Quando se deu conta de que esse "swap" casado não funcionava, passou a oferecer "swap" puro, criando passivos cambiais complicados para o próximo governo, ao mesmo tempo em que entrava em operação o SPB (Sistema de Pagamentos Brasileiro), reduzindo a liquidez da economia e aumentando o risco de crédito.
Essa conjugação de fatores levou a um processo de vendas de LFTs no mercado que derrubou seu preço. Por seu conservadorismo, as LFTs são títulos de pouca margem de rentabilidade para os "carregadores" (as instituições que as mantêm em carteiras). Quando são de prazo longo, qualquer alteração no preço tem impacto profundo nos resultados. Os primeiros movimentos de deságio provocaram prejuízos enormes e criaram nervosismo no mercado, levando as instituições a se desfazer mais do papel, derrubando ainda mais seu preço.
Pior, o BC resolveu antecipar a orientação de obrigar todos os fundos a contabilizar as cotas pelo valor de mercado dos títulos. Assim, a perda provocada pelo próprio BC acabou sendo explicitada com muito maior ênfase, trazendo medo ao mais conservador dos investidores depois dos poupadores: o dos fundos DI e de renda fixa.
A volta à normalidade passa, antes de tudo, pela recuperação da imagem das LFTs, o que depende de algumas posições claras. A primeira é aceitar que em períodos como o atual o dólar tende a subir mesmo, e há que manter a cabeça fria e a tranquilidade até passar a tempestade.
Em junho, por exemplo, haverá a saída de US$ 1 bilhão, por conta de vencimentos de dívida de empresas, que não serão rolados. Esse dólar ou será suprido por exportadores ou pelo BC. O papel do BC não é inundar o mercado de "swaps" e tentar segurar o dólar a ferro e fogo, mas, primeiro, se preparar para ofertar a moeda nessa fase de transição.
Segundo, acalmar os investidores em fundos de renda fixa e DI. Terceiro, ouvir mais o mercado, não para seguir suas recomendações, mas para tornar mais eficaz a atuação do BC e reduzir esse grau de voluntarismo que trouxe ao já conturbado momento econômico brasileiro uma insegurança a mais, que não havia.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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