São Paulo, terça-feira, 06 de junho de 2006

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LUÍS NASSIF

O nó do fluxo cambial


Ao aumentar os juros para criar o diferencial para atrair os dólares, ampliam-se as dívidas pública e externa

ESSA HISTÓRIA de que a volatilidade cambial é passageira não cola. A economia mundial já entrou em um circuito disfuncional provocado pelo livre fluxo de capitais.
A tentativa de amarrar o financiamento da dívida pública ao investimento externo só não foi tão irresponsável quanto a indexação das tarifas públicas ao IGP-M, porque pode ser revertida.
Há anos a economia mundial caminha em cima da navalha. Países com problemas de balança comercial (como o Brasil de 1999 e o México de 1995) e países com superávits robustos (Coréia do Sul) passaram pela mesma crise cambial unicamente devido ao fato de permitir o livre fluxo de capitais.
A Excalibur do crescimento sustentado brasileiro dependerá de se estabelecerem controles ao livre fluxo de capital especulativo. Seria importante recuperar o trabalho "Crescimento Econômico com Poupança Externa?", publicado por Luiz Carlos Bresser-Pereira e Yoshiaki Nakano, na "Revista de Economia Política" de abril-junho 2003.
A poupança externa só é relevante para países com desequilíbrio no balanço de pagamentos e que precisam financiar suas importações. O ingresso do fluxo financeiro de dólares provoca diversos efeitos deletérios. Ao aumentar a taxa de juros, para criar o diferencial necessário para atrair os dólares, ampliam-se as dívidas pública e externa. O processo só seria sustentável se, ao aumento da dívida, correspondesse o aumento do investimento em setores com potencial de exportação.
O segundo efeito é o da apreciação da moeda nacional ou a sua sustentação a um custo fiscal pesado.
Como se pode pretender esticar o prazo da dívida e reduzir as taxas de juros, amarrando-a ao mais volátil dos ativos: os dólares que ingressam na economia brasileira? A mera saída de parte dos dólares chacoalha o câmbio, impactando a rentabilidade de toda a carteira de investimentos externos.
Há quem defenda o investimento externo em ações, em substituição aos empréstimos. Mas, se em aplicações de portfólio, o efeito será o mesmo. Como ativo fundamentalmente líquido, a fuga das ações tem a mesma natureza das fugas de títulos públicos.
Toda a fundamentação da liberalização financeira dos anos 90 era que o investimento externo será fundamental para financiar o desenvolvimento dos países emergentes. "O fato de que a poupança externa corresponde ao déficit em conta corrente geralmente não é mencionado. Quando o é, o fundamento lógico que o FMI [Fundo Monetário Internacional] utiliza para minimizar seu papel é um típico pressuposto da corrente dominante: a teoria dos déficits gêmeos", diz o trabalho.
O curioso é que, em 1994, nas comemorações dos dez anos do Plano Real, o economista Edmar Bacha publicou um trabalho sustentando (com atraso de dez anos!) que abrir a economia para fluxo de capitais não era garantia de aumento da taxa de investimento. De lá para cá, todos os pretextos foram utilizados para manter esse fluxo volátil. Certamente nem Luiz Inácio Lula da Silva nem Geraldo Alckmin têm envergadura para romper com esse nó.


Internet: www.luisnassif.com.br
Luisnassif@uol.com.br


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