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Cúpula da fome nada propõe contra "situação dramática"
Reunião com 40 líderes mundiais em Roma termina com resolução aguada
Biocombustíveis não são condenados, mas posição de Lula de que produto pode alavancar países pobres também não é acolhida
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
Jacques Diouf, o diretor-geral da FAO, braço da ONU para
Alimentação e Agricultura, havia dito, ao inaugurar na terça-feira a Cúpula sobre Segurança
Alimentar, que havia passado o
tempo das palavras e era hora
da ação.
Dois dias depois, a cúpula
termina sem ação alguma e
quase sem palavras, porque o
comunicado final foi sucessivamente adiado, para sair só no
início da noite romana, em termos tão aguados que o chanceler italiano, Franco Frattini, reconheceu que o texto "é decepcionante". Emendou Frattini:
"Se os líderes mundiais não
conseguem pôr-se de acordo ao
menos para evitar os danos de
uma situação dramática de
emergência alimentar, isso me
preocupa".
A emergência já havia sido
quantificada por Diouf no discurso inaugural, ao lembrar
que há 832 milhões de pessoas
passando fome. Robert Zoellick, presidente do Banco
Mundial, ampliou a dimensão
da emergência ao dizer que a
disparada dos preços da alimentação colocava 2 bilhões de
pessoas em "perigo imediato".
Muitos países já enfrentam
protestos populares por causa
da alta dos alimentos.
Três dias de debates e de discursos, com a participação de
cerca de 40 governantes, nada
produziram, a não ser anúncios
de verbas de emergência até
agora no valor de US$ 3 bilhões,
quando Diouf havia dito que seriam necessários US$ 30 bilhões por ano para criar uma situação de segurança alimentar.
O pior é que os delegados se
envolveram em discussões absolutamente bizantinas, em
torno de um documento que já
nasceu aguado por causa das
divergências de todos os tipos.
Das divergências, passou-se à
fofocas sem sentido, que retardaram a divulgação do texto
por mais de quatro horas.
Uma das fofocas envolveu o
Brasil. Delegados europeus disseram aos jornalistas que o
Brasil vetava trecho da declaração que considerava crítico aos
biocombustíveis, a principal
bandeira internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Qual era a suposta crítica?
Dizer que "é essencial enfrentar os desafios e oportunidades
colocados pelos biocombustíveis em vista das necessidades
mundiais de energia, segurança
alimentar e ambiental". Ao falar em "segurança alimentar", o
trecho insinuaria que os biocombustíveis são deletérios para ela, no pressuposto de que os
plantios para obtê-los invadiriam áreas destinados à culturas para a alimentação.
A acusação é falsa pela simples e boa razão de que nenhum
governo pode se dizer contra a
segurança alimentar e ambiental e recusar-se a assinar um
documento que as defenda.
No caso do Brasil, Lula, em
seu discurso na cúpula, deu todas as informações necessárias
para demonstrar que o etanol
da cana-de-açúcar não interfere no plantio de alimentos -e
tampouco na devastação ambiental da Amazônia.
O texto final da cúpula, tal como a Folha já havia adiantado
desde o princípio dela, não toma partido sobre biocombustíveis. Joga qualquer definição
mais concreta para "estudos
em profundidade" e um "diálogo internacional".
Uma segunda polêmica era
igualmente sem sentido. O rascunho pedia aos países-membros que se abstivessem de medidas unilaterais e contrárias
às leis internacionais.
Os EUA, pela versão que chegou aos jornalistas, entenderam que se tratava de condenar
o bloqueio à Cuba, que já dura
mais de meio século. De novo,
nenhum país pode defender
medidas contrárias às leis internacionais, mesmo quando
eventualmente as apliquem.
Tudo somado, ficou de concreto o óbvio: um pedido para
"ação coordenada e urgente para combater os impactos negativos dos crescentes preços de
alimentos sobre os países e populações mais vulneráveis" e a
cobrança de mais investimentos na agricultura, além da ajuda imediata para os famintos.
Muito menos do que prometia o longo título do encontro:
"Conferência de Alto Nível sobre Segurança Alimentar Mundial - os Desafios da Mudança
Climática e da Bioenergia".
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