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São Paulo, domingo, 06 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Economia: boas medidas e más notícias

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

As boas medidas anunciadas no último dia 25 de junho são políticas de crédito e emprego para inclusão econômica e social das populações de baixa renda. A expansão do crédito popular, do microcrédito e do crédito rural (para assentamentos e pequena propriedade familiar) com baixas taxas de juros significa a democratização do crédito bancário. Esse é um dos instrumentos mais importantes para a inclusão econômica nas sociedades modernas. O programa do primeiro emprego para jovens representa uma forma de inclusão socioeconômica superior à da complementação de renda para as famílias pobres. O governo pretende alcançar a fração mais vulnerável da população, os jovens de 16 a 24 anos, entre os quais se registra a maior taxa de desemprego e violência (sofrida e praticada).
As más notícias não são novas nem inesperadas. Referem-se à tendência ao agravamento da desaceleração do investimento, do crescimento do PIB e das exportações, decorrentes das políticas monetária e cambial praticadas pelo BC no 1º semestre. Com as tendências deflacionárias atuais, as altas taxas de juros nominais tornaram-se absurdas em termos reais e permitem aumentar ainda mais a "segnoriage" exercida pela tesouraria dos bancos sobre a dívida pública. Baixar a taxa Selic para 24% no fim de julho continua insuficiente diante de uma inflação mensal que em junho se aproxima de zero e é projetada pelo próprio BC em menos de 7% ao ano para os próximos 12 meses. A restrição de crédito interno e os altos "spreads" praticados no mercado financeiro agravam a tendência recessiva da economia, o que implica a necessidade de maior agilidade na flexibilização da política monetária.
Do ponto de vista da política cambial -com as tendências à deflação da economia globalizada-, o Brasil teria de tentar acompanhar pelo menos o movimento de depreciação do dólar, sob pena de tornar não-competitivas as nossas exportações de manufaturas e a substituição de importações, além de pressionar a conta de serviços e remessa de lucros. A altíssima taxa de juros interna favorece a entrada de capitais voláteis (cerca de US$ 13 bilhões até o dia 3), o que obviamente aumenta a vulnerabilidade externa da economia, além de apreciar ainda mais o real. Não foi por outra razão que a Argentina resolveu, como antes o fizera o Chile, colocar prazos de "quarentena" à entrada de capitais.
As novas políticas de expansão do microcrédito com juros mais baixos na ponta (de cerca de 2% ao mês) não podiam esperar pela "flexibilização" da política monetária, que mal começou e será provavelmente lenta. Sobre o microcrédito, houve acordo entre o presidente da República, o ministro da Fazenda e os presidentes dos grandes bancos públicos, o BNDES, a Caixa e o Banco do Brasil. Essas instituições, além de possuírem "funding" mais barato, têm maior compromisso com o desenvolvimento econômico e social do que o sistema financeiro privado e o próprio BC.
Os recursos adicionais de custo zero são 2% dos depósitos à vista para todo o sistema, mas os bancos públicos podem utilizar os recursos dos fundos sociais, em particular o FAT, que permitem abertura de linhas de crédito mais baratas. Assim o BNDES pretende utilizar R$ 1 bilhão, ainda neste ano, para empréstimos à pequena produção independente (quase toda informal). A Caixa aumentará substancialmente o crédito para capital de giro das micro e pequenas empresas com recursos próprios e do FAT que deverão alcançar cerca de R$ 3 bilhões. O Banco do Brasil, além de financiar neste ano cerca de R$ 5 bilhões para a pequena produção rural, deve abrir uma agência de microfinanças -Banco do Popular- com lastro de R$ 2 bilhões (equivalente a 2% dos seus depósitos à vista).
A Caixa já registrou desde maio deste ano 200 mil contas simplificadas que permitem o microcrédito popular para qualquer uso e sem comprovação de renda (Caixa Aqui) e espera alcançar mais de 500 mil contas que dariam direito a essa linha de crédito até o fim do ano. Além desses novos correntistas, também os da poupança com saldo de até R$ 100 (cerca de 12,8 milhões de clientes) poderão ter acesso a esse tipo de crédito rotativo simplificado. A Caixa é a instituição cuja distribuição de contas e clientes mais se aproxima da população de baixa renda e das classes médias baixas do país. Possui 12 mil pontos de atendimento, que cobrem os 5.561 municípios brasileiros. Trata-se, portanto, de uma rede capaz de fazer uma política universal de crédito para a população de baixa renda e pequenos empreendedores muito superior às políticas focalizadas já existentes, podendo alcançar, além dos seus 22 milhões de clientes, mais 2,3 milhões de pessoas neste ano.
Representando o esforço conjunto das três grandes instituições públicas de crédito, será posto em movimento um fundo rotativo de mais de R$ 10 bilhões que terá efeitos apreciáveis como multiplicador de crédito e de renda para os setores menos favorecidos da população e dos pequenos empresários. Os bancos privados, apesar de muito concentrados, não possuem instituições de crédito maiores que a dos três grandes bancos públicos. Assim, diferentemente do que muitos pensam, pode haver uma saudável "competição" entre os grandes bancos de varejo (públicos e privados) e seus intermediários financeiros, pelo menos no financiamento do crédito aos consumidores de baixa renda (de quem são hoje cobrados no mercado taxas extorsivas superiores a 400% ao ano) e para o capital de giro ou de investimento dos micro e pequenos empreendedores.
Parte dessas ações depende da aprovação do Conselho Monetário Nacional para entrar em vigor. Esperamos que o CMN não coloque restrições ou delongas na regulamentação das medidas anunciadas, seja por pressão do sistema financeiro privado, seja pelo "conservadorismo" do próprio BC.


Maria da Conceição Tavares, 73, economista, é professora emérita da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), professora associada da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet: www.abordo.com/mctavares
E-mail -
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