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São Paulo, domingo, 06 de julho de 2003

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CRESCIMENTO

Especialistas alertam, porém, que não há provas de que previdência privada faça população poupar mais

Governo quer que fundos gerem poupança

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo quer aumentar a poupança dos brasileiros criando mais fundos de pensão. Poupando mais para ter aposentadorias altas no futuro, os brasileiros liberariam recursos para que as empresas pudessem investi-los no aumento da capacidade produtiva brasileira. O resultado: o país poderia crescer mais rápido sem depender de investimento estrangeiro. O problema: não existe evidência de que o aumento dos recursos nos fundos de pensão aumente a poupança nacional.
"Não existe prova de que isso ocorra. O que pode haver é um deslocamento de poupança", diz Kaizô Beltrão, técnico do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Ele explica: uma pessoa pode deixar de poupar de uma forma, aplicando em caderneta de poupança, por exemplo, para colocar o dinheiro num fundo de pensão. O dinheiro disponível no fundo cresce, mas a mudança não gera nenhum centavo de aumento na poupança geral.
O crescimento do mercado de fundos é positivo, diz Beltrão, não porque aumenta o volume de poupança, mas porque melhora a qualidade dela. Como são recursos economizados para a aposentadoria, ficam imobilizados durante períodos longos. É o dinheiro ideal para investimentos de longo prazo. Como os fundos obedecem a critérios rígidos de aplicação dos recursos, eles precisam encontrar boas oportunidades de investimento a riscos aceitáveis. Dessa maneira, o sistema evitaria desperdício e garantiria uma aplicação mais eficiente da poupança disponível.

Mitos
Ainda assim, o ex-economista do Banco Mundial e ganhador do Nobel de economia Joseph Stiglitz avalia que tanto a teoria de que os fundos privados ajudam a aumentar a poupança quanto a de que eles conseguem retornos maiores com suas políticas de investimentos são "mitos" não verificados na prática.
No Brasil, o bom desempenho dos fundos, do ponto de vista de ajudar o país a crescer mais, vai depender do sucesso da política econômica do governo. Hoje, mais de 60% dos ativos dos fundos de previdência fechada, por exemplo, são aplicados em renda fixa, ou seja, a maior parte é investida em títulos públicos.
Ações e investimentos imobiliários -indicadores de investimentos em atividades produtivas, já que ajudam as empresas a se financiarem- abocanham pouco mais de 20%. Ou seja, os fundos de pensão estão financiando o governo, não o crescimento.
Manoel Cordeiro, coordenador de investimentos da Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar), diz que as carteiras dos fundos são um reflexo das incertezas da conjuntura econômica brasileira. Mas, diz Cordeiro, com a queda da taxa de juros, os administradores serão obrigados a procurar por alternativas aos títulos públicos.
"E isso já está começando a acontecer. Como as previsões são de queda [dos juros] no médio prazo, os fundos já estão se preparando. Porque você não pode mudar uma carteira abruptamente. Para ter resultados no futuro, precisa começar a analisar projetos e pensar em novas alternativas agora", diz Cordeiro.

Falta mercado
Outra barreira para que os fundos possam ajudar o país a crescer mais: o pequeno tamanho do mercado de capitais brasileiro. Com o crescimento da procura dos fundos por papéis e títulos privados de qualidade -de grandes e boas empresas-, pode faltar ativos no mercado.
Cordeiro, no entanto, avalia que a indústria de fundos pode crescer junto com o mercado de capitais. "Há um universo de médias empresas que podem financiar-se por meio do mercado de capitais e, desta maneira, emitir papéis que sejam atrativos para os fundos", diz.
Vencidos os obstáculos -queda da taxa de juros, aumento da população comprando planos de previdência privada, crescimento do mercado de capitais-, os fundos se tornariam um mecanismo de alocação eficiente da poupança dos brasileiros mas, diz Beltrão, não a aumentariam, ou pelo menos não é isso o que mostra a experiência internacional.
No Chile, diz o especialista, o sistema de previdência foi privatizado, o total de ativos no sistema privado é maior do que a taxa de poupança, e, a despeito de ter crescido tanto, não alterou substancialmente a taxa de poupança do país. Por quê? Os hábitos de consumo de uma população não dependem apenas de fatores econômicos, mas também culturais, diz Beltrão.
Quando uma pessoa decide poupar hoje, ela abre mão de consumir bens e serviços agora para consumi-los no futuro. Este tipo de decisão depende de fatores econômicos, como o nível salarial. Mas as pessoas também são influenciadas por fatores subjetivos, como o maior ou menor medo que elas têm de ficar sem emprego no futuro, ou a confiança que os membros de uma sociedade podem ter de que seus descendentes providenciarão sua subsistência quando eles envelheçam.


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