São Paulo, sexta-feira, 06 de setembro de 2002

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ARTIGO

Por que apostar no Brasil?

JOHN DIZARD
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

Jamais houve nada mais fácil de vender aos conselhos de diretores de multinacionais do que a idéia de que seu "risco Brasil" deveria ser eliminado ou reduzido por hedge. Afinal, existe algum conselheiro em uma empresa de capital aberto hoje que não tenha se imaginado suando diante de um comitê do Congresso ou tropeçando em uma resposta em depoimento gravado? Será que eles desejam se apanhar dizendo que "bem, talvez eu tivesse podido votar a favor de adquirir seguro contra moratórias, mas no momento isso me parecia caro demais"?
Não pela primeira vez, tomar o curso oposto ao dessas pessoas pode lhe valer um lucro decente.
Ampla gama de empresas têm exposição ao Brasil. Se a unidade operacional de uma empresa ou instituição financeira tem participação acionária em empresas da Colômbia, Peru, Turquia ou Rússia, provavelmente pensou seriamente sobre os riscos de longo prazo envolvidos. Mas a multinacional média sempre encarou o Brasil como posição fácil de assumir. Com uma população grande e isolado por trás de elevadas barreiras tarifárias, era possível montar as máquinas necessárias a produzir o modelo do ano passado e enviar os lucros para casa. Sim, o Brasil sofria crises periódicas, mas com a evasão institucionalizada aos controles cambiais e um pouco de paciência, sempre era possível suportá-las durante um ano ou dois.
Nos últimos anos, porém, o Brasil adotou uma taxa de câmbio flutuante razoavelmente bem administrada, reduziu suas barreiras tarifárias e trabalhou para transformar sua economia razoavelmente fechada em um sistema no qual a maior parte dos setores precisa competir em escala mundial. Isso significa que os mercados domésticos de capital do Brasil estão sofrendo com a aversão mundial a riscos, e o governo e setor empresarial do país têm de pagar taxas de juros reais muito elevadas.
Essas taxas de juros, e os riscos de que a dívida do governo e das empresas não possa ser rolada no futuro eis o problema do Brasil. A aversão crescente ao risco cria risco maior.
A maior parte do "risco" sobre o qual se lê no Brasil tem a ver com a eleição de outubro. Não prestem atenção demais nisso. O vencedor será provavelmente ou o candidato do governo, pró-mercado, ou o candidato da classe trabalhadora urbana. E se trata realmente da "classe trabalhadora", não de "lunáticos lançadores de bombas". Eles querem continuar trabalhando, o que significa que eles e seu candidato não destruirão o sistema financeiro ou a economia. O candidato desse grupo deveria ser definido como um social democrata populista, e não como comunista.
A chave para o Brasil é não o resultado da eleição, mas a situação do apetite mundial por risco nos mercados de capitais não agora, e não no momento da eleição, mas em janeiro e durante o primeiro trimestre do ano que vem. Não é uma declaração tão genérica quanto pode parecer, já que os preços de todos os ativos de risco cada vez mais se alteram em sincronia. Se as pessoas temem comprar ações de empresas britânicas de telecomunicações, provavelmente também se manterão afastadas dos junk bonds do setor de energia dos Estados Unidos e dos títulos da dívida brasileira.
Talvez estejamos passando por uma nova fase de queda no apetite mundial por risco. Mas isso provavelmente chegará ao fim no final deste ano, antes que o risco da rolagem da dívida brasileira se torne agudo. No momento em que os brasileiros estiverem precisando do retorno da confiança aos mercados, no primeiro trimestre, o provável é que isso já tenha acontecido.
Uma vez mais, o problema fundamental no Brasil é o alto nível das taxas de juros reais que, este ano, se incluirmos os efeitos da desvalorização da moeda local diante do dólar, está perto dos 20%. Porque a desvalorização já aconteceu, deveria ser possível reduzir a taxa "real" de juros (descontada a inflação) a menos de 9% no ano que vem. Se as taxas reais ficarem abaixo dos 9%, o Brasil será capaz de manter sua economia em funcionamento até que os mercados de capitais desapertem os cintos. No futuro, o país poderia adotar taxas de juros mais baixas e sustentáveis no longo prazo.
No entanto, não é preciso presumir boas notícias para acreditar no Brasil. A crise brasileira foi tão divulgada que os ativos brasileiros estão agora entre os mais protegidos por hedge talvez até protegidos em excesso. No começo do ano, seguradoras européias e outros participantes do mercado de swaps de crédito por moratória decidiram procurar rendimentos "vendendo proteção" contra a moratória do governo e de empresas brasileiras. Em outras palavras, eles concordaram em indenizar os investidores caso o Brasil não pagasse.
Em julho e agosto, os "vendedores de proteção" entraram em pânico e começaram a fazer hedge para os contratos de hedge que tinham vendido. Venderam títulos brasileiros a descoberto para reduzir sua exposição líquida ao país. O resultado foi a disparada das taxas de juros sobre a dívidas brasileira, a ponto de o bônus C denominado em dólares, um título público bastante acompanhado, estar oferecendo ágio de 21% em relação à curva de rendimento dos títulos do Tesouro norte-americano. De lá para cá, o ágio caiu para 17,5%, o que ainda é muito alto. Ainda mais importante, o ágio supera significativamente o da Colômbia (8,13% diante dos títulos do Tesouro norte-americano), por exemplo, ou os 9,13% do Peru.
Existe muita menos atividade de swaps de moratória ou outros contratos de hedge nesses países, de modo que não existe para eles um excesso de vendas como op que acontece no Brasil.; Se o Brasil quebrar, eles quebram mais feio. Se o Brasil se sair bem, o Brasil se recuperará melhor. De qualquer forma, manter títulos da dívida brasileira e vender a descoberto os títulos de outros países latinos será boa notícia para você, não importa se as demais notícias forem boas ou ruins.


Tradução de Paulo Migliacci


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