São Paulo, sexta-feira, 06 de setembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Telefones, bananas e mentiras

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

As campanhas eleitorais nas democracias modernas são realizadas hoje, principalmente, por meio da TV. As grandes concentrações públicas como veículo de divulgação de um candidato e de suas idéias são coisas do passado. Com a entrada da mídia eletrônica, uma outra linguagem foi adotada, e os grandes discursos foram substituídos por frases curtas, de fácil fixação pelo público, pronunciadas pelos candidatos. No embate entre o conteúdo e a forma, a primeira foi definitivamente relegada a um segundo plano! Por isso a importância dos chamados marqueteiros nas eleições modernas.
Essa nova realidade está presente na campanha deste ano no Brasil. As declarações dos candidatos na TV seguem disciplinadamente o novo paradigma, orientados por seus publicitários. Nesse cenário, o papel da imprensa escrita como instrumento de separação do joio do trigo é fundamental para a democracia. Recolocar a verdade em seu lugar e mostrar os aspectos negativos e as dificuldades não explicitadas das propostas miraculosas dos candidatos são alguns aspectos importantes dessa ação complementar e corretiva.
A imprensa brasileira tem cumprido com eficiência esse papel. O leitor da Folha pode verificar esse fato, comparando as palavras dos candidatos no início da campanha e suas posições hoje. A maioria das grandes besteiras e propostas demagógicas ou foram abandonadas no caminho ou foram mudadas e são defendidas hoje com uma ênfase muito menor. As dificuldades práticas e as inconsistências do salário mínimo de Garotinho, da demonização das contas CC-5, da reforma da Previdência e da renegociação das dívidas do governo de Ciro Gomes já foram expostas em detalhes à opinião pública.
Entretanto algumas dessas mistificações continuam vivas e sendo utilizadas pelos candidatos na TV. Vou me ocupar de uma delas na minha coluna de hoje. No último debate entre os candidatos à Presidência da Republica, na Record, Lula voltou a insistir em que a privatização do Sistema Telebrás foi feita "a preço de banana". Para justificar sua afirmação, lembrou uma declaração do ex-ministro Sérgio Motta, feita muito antes de o processo de privatização ser iniciado, em que ele dizia que as ações do governo valiam mais de R$ 40 bilhões. Como o valor efetivo da venda foi pouco superior à metade desse valor, estaria caracterizada uma má venda.
Como já se passaram quatro anos do leilão de privatização -virou história, portanto-, a realidade dos fatos está disponível àqueles que procuram a verdade, e não a mistificação e o engodo. A queda brutal dos preços pagos por um telefone no Brasil, a obrigação de instalar por R$ 50 um telefone em 48 horas, a democratização dos celulares, a farta disponibilidade de orelhões nas periferias das grandes cidades, os volumosos investimentos realizados por obrigações contratuais dos novos concessionários privados ridicularizaram os argumentos usados por muito tempo pelo PT para tentar desqualificar os benefícios da privatização do Sistema Telebrás. A crítica de que o cidadão, principalmente o mais pobre, foi prejudicado foi abandonada. Sobrou a questão do "preço de banana"!
As declarações de Sérgio Motta lembradas pelo PT foram feitas, como já disse, muito antes da definição do modelo de privatização do setor, informação fundamental para o cálculo do preço de venda das ações do governo. Se a Telebrás tivesse sido vendida como monopólio, como foi feito no México, o valor a ser obtido estaria próximo do número citado por Lula. Mas foi uma decisão do próprio Serjão de dividir a empresa em 12 companhias para criar a competição e diminuir o poder de monopólio das empresas privatizadas. O custo dessa decisão foi uma redução importante no valor das ações, como qualquer manual barato de finanças mostra.
Posteriormente à morte de Sérgio, com o modelo de competição definido, foram realizadas duas avaliações sobre o valor econômico da empresa pelos seus lucros, forma como se deve proceder em casos como esse. Aliás o PT fez o mesmo em Ribeirão Preto, ainda em 1998. O número obtido para as 12 companhias foi de cerca de R$ 8 bilhões. Como vivíamos um momento de grande excitação nos mercados de ações de empresas de telecomunicações, o governo fixou o preço mínimo para o sistema em mais de R$ 13 bilhões. O resultado final da venda dos pouco menos de 20% do capital das empresas que pertenciam ao Tesouro foi de mais de R$ 22 bilhões, ou seja, um ágio de 64%.
O site primeiraleitura.com.br mostrou ontem o valor de mercado hoje de cada uma das empresas privatizadas e sua relação com os valores do leilão de privatização. Eles são impressionantes e mostram uma realidade totalmente diferente da demagogia barata de Lula. Em dólar, o valor de mercado da antiga Telebrás hoje é apenas 14,5% do valor de venda em julho de 1998: os US$ 19 bilhões de quatro anos atrás valem hoje, nas Bolsas de São Paulo e Nova York, US$ 2,7 bilhões.
Em reais correntes a diferença é de R$ 8,4 bilhões hoje, contra R$ 22 bilhões no leilão. Se corrigirmos o valor obtido pelo Tesouro em 1998 pela taxa Selic, temos um cenário semelhante ao dos valores em dólares: R$ 46 bilhões em 1998, contra R$ 8,4 bilhões hoje, segundo a avaliação diária dos mercados, ou seja, apenas 18% do valor obtido no leilão de privatização.
Para uma pessoa que está querendo provar aos eleitores que evoluiu e amadureceu durante os últimos anos, essa demagogia barata de Lula pega muito mal! Ela nos lembra o passado, e, como ele mesmo disse no debate, o passado precisa ser considerado pelo eleitor em sua escolha na urna eletrônica.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br E-mail - lcmb2@terra.com.br


Texto Anterior: Em transe: Economia global dá novo sinal de estagnação
Próximo Texto: Artigo: Por que apostar no Brasil?
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.