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São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Tudo contra o investimento

GESNER OLIVEIRA

A conjuntura econômica conspira contra o investimento produtivo. Esse é um dos principais obstáculos a uma recuperação sustentada da economia nos próximos meses.
Os números comprovam uma retração do investimento. Não do investimento no sentido coloquial de aplicação financeira, mas da ampliação da capacidade produtiva do país. Dados do IBGE registram uma queda de 6,4% no investimento no segundo trimestre de 2003 comparativamente ao período imediatamente anterior. O declínio chegou a 9% relativamente ao mesmo período de 2002.
Mais evidências. A importação de bens de capital apresentou queda de 21% até julho. A atividade da construção, que representa dois terços da formação de capital, caiu 11% no primeiro semestre quando comparada com o mesmo período de 2002.
Os dados do IBGE permitem estimar uma taxa de investimento (isto é, a razão entre o investimento e o PIB) de 17,6% no primeiro semestre de 2003. É o menor valor desde 1967. Na década de 1970, por exemplo, a taxa de investimento foi na média superior a 21%. Para voltar a crescer de forma sustentada, seu valor deveria ser até maior, dado o aumento da necessidade de capital por unidade de produto.
Há três fatores que inibem a inversão em capacidade produtiva na atualidade. Em primeiro lugar, a alta taxa de juros. Apesar das reduções nas últimas duas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária), o juro real (isto é, deflacionado pelas expectativas futuras de inflação) continua superando os dois dígitos. Utilizando as medianas das expectativas da pesquisa Focus do Banco Central para a taxa de juros Selic e o IPCA, obtém-se um juro real em torno de 11%.
Em segundo lugar, persiste grande indefinição quanto ao marco regulatório nos segmentos de infra-estrutura como energia e telecomunicações. Em particular, ainda não está claro quando e se haverá mudanças significativas no modelo de agências reguladoras concebido e parcialmente implementado pela administração anterior.
A relutância em investir em infra-estrutura é especialmente nociva pelas suas repercussões no conjunto da economia. Diferentes segmentos acompanham, por exemplo, a trajetória de expansão da capacidade do setor elétrico e as chances de nova crise na segunda metade da década caso a economia volte a apresentar uma taxa de crescimento próxima a 4% ao ano.
O roteiro para a nova agenda de desenvolvimento econômico divulgado pelo governo na última reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social constitui um avanço em relação àquilo que vinha sendo o discurso oficial. Em contraste com o bombardeio contra as agências reguladoras, pela primeira vez se explicitou o compromisso "com o estabelecimento de modelos regulatórios transparentes, bem definidos e específicos para os setores de infra-estrutura". Mas sem nada de concreto que possa dar maior segurança para o investidor.
Em terceiro lugar, há muita apreensão quanto ao respeito aos direitos de propriedade em virtude da frequência e intensidade de manifestações de movimentos como os dos sem-terra e sem-teto no campo e na cidade, respectivamente.
Some-se a isso o fato de que as reformas em discussão no Congresso e, em particular, a reforma tributária não asseguram em seu conteúdo maiores estímulos à inversão produtiva. A reforma previdenciária é necessária, mas, contrariamente àquilo que se apregoa, não deve elevar a taxa agregada de poupança e investimento.
Por sua vez, o texto aprovado na madrugada da quinta-feira para a reforma do sistema de impostos é um monstrengo tributário. No tangente ao custo de investimento, há uma única menção à desoneração de bens de capital, uma vez que o IPI "terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei". É pouco diante do risco de aumento da carga tributária que a proposta encerra e seu consequente efeito negativo sobre a atividade produtiva.
É provável que a economia volte a crescer no segundo semestre e de forma mais nítida no último trimestre. O IBGE divulgou ontem um primeiro e tímido sinal de que a indústria teria saído do fundo do poço, confirmando o que outros indicadores de antecedentes já vinham apontando. A produção industrial acusou expansão de 0,4% relativamente a junho, com uma mãozinha da Petrobras, que registrou aumento atípico da produção de petróleo e gás natural em julho.
Porém, sem um aumento da taxa de investimento, a recuperação da economia será frágil e de curta duração. E sem uma retomada sólida não haverá a tão necessária quanto prometida geração de empregos.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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