UOL


São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

Teorias e prática na economia

O acadêmico, por formação e definição, é o sujeito que prospecta as teorias existentes, estuda, conhece as últimas formulações. Sua formação se completa quando passa a conhecer aspectos objetivos das economias analisadas e a conferir se os personagens da economia e instituições econômicas se comportam da forma prevista no modelo teórico. Aí reside a diferença entre o economista de manual e o formulador.
Seja qual for a formação do economista -se fundamentalmente teórico, se analista de conjuntura e da realidade-, ele tem que ter na cabeça o conceito, o modelo da economia a ser analisada, com todas as suas limitações, e não a formulação ideal da teoria. Não se trata de tarefa fácil. Economias e países são realidades bastante complexas.
Um dos problemas mais sérios da academia é a chamada alienação do especialista para adaptar a teoria à realidade. É uma limitação psicológica porque significa trocar o sonho ideal, o mundo previsível, quantificável, esteticamente perfeito da teoria, o Matrix, por uma realidade que contém imperfeições e, principalmente, pessoas. E é uma limitação intelectual porque o economista é confrontado com situações não previstas no manual. E aí são ele e a realidade. Não basta citar terceiros, mostrar-se em linha com as idéias da moda. Com o instrumental teórico de que dispõe, terá que identificar as inadequações da realidade, fugindo da segurança que o manual permite.
Há tempos publiquei um trabalho jornalístico, com o título "O Espetáculo do Desenvolvimento", no qual -sem avançar além das chinelas do jornalismo- procuro demonstrar de forma estruturada as impropriedades do modelo econômico baseado na dependência de capital volátil, exercitando dentro de minhas limitações a análise da teoria aplicada à realidade brasileira. O trabalho foi desqualificado pela economista Eliana Cardoso, que considerou a discussão "fora de moda".
Ontem, no mesmo espaço de Eliana no jornal "Valor", o economista Márcio Garcia, da Faculdade de Economia da PUC-RJ, na coluna sob o sugestivo título "As opções reais e o espetáculo do desenvolvimento" confirma, com riqueza de citações, o que procurei demonstrar no trabalho jornalístico. Garcia sai da mera planilha, incorpora na análise pensadores de fôlego muito mais amplo, como Albert Hirschmann -sugerido por Edmar Bacha-, e chega às mesmas conclusões do meu trabalho, que não trata de nenhuma idéia inovadora, mas do uso do bom senso e do raciocínio para conferir a consistência do que a teoria propõe.
Na mesma edição do (excelente) jornal, estudos dos economistas da Unicamp -liderados por Luiz Gonzaga Belluzzo e Ricardo Carneiro- chegam a conclusões semelhantes, ambos há bastante tempo na linha de frente dessa crítica ao modelo atual de abertura financeira.
Tudo isso demonstra que, independentemente de linhas de pensamento, há princípios fundamentais na economia que não podem ser desrespeitados. Mas esse tipo de avaliação só está disponível a analistas que conseguem avançar além do manual e das modas e ganhar vôo próprio.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Opinião econômica: Tudo contra o investimento
Próximo Texto: Energia: Justiça suspende seguro-apagão no Paraná
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.