São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2008

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CESAR BENJAMIN

Um novo Plano de Metas


Extrair o petróleo do pré-sal de regiões profundas é uma bênção, por exigir tamanha cadeia produtiva e inovação

AINDA HÁ há muitas dificuldades a vencer para transformar os campos do pré-sal em riqueza disponível, mas nenhuma delas é intransponível. A Petrobras detém a qualificação técnica necessária para conduzir essa operação, e os custos estimados para a extração em regiões tão profundas, em torno de US$ 35 o barril, continuarão sendo compatíveis com os preços praticados no mercado mundial. Tudo isso exigirá investimentos da ordem de centenas de bilhões de dólares, para uma expectativa de retorno de trilhões. A imensidão desses números dá a medida do que está em jogo. O primeiro passo, é claro, é alterar o marco regulatório atual, concebido quando o barril de petróleo custava US$ 13 e se considerava a prospecção uma atividade de alto risco.
O preço do barril foi multiplicado por dez, e hoje se sabe que perfurar o pré-sal praticamente não envolve risco nenhum. A alteração se faz necessária em duas direções principais: garantir que o Estado aumente sua participação na riqueza produzida (hoje, no Brasil, essa participação varia de zero a 40%, enquanto no mundo ela fica na média de 84%, podendo chegar a mais de 90%). E devolver ao Estado a capacidade de determinar o ritmo da extração desse recurso não renovável; extrair em excesso significa, na prática, trocar petróleo por títulos do Tesouro dos EUA, um péssimo negócio. Sem alterar o marco regulatório atual, o debate sobre a criação de uma nova empresa estatal para gerir as reservas é mero "nonsense", pois esse novo ente federal não poderia escapar dos vícios da legislação em vigor.
Há, ainda, cuidados de natureza macroeconômica, especialmente com o câmbio. Em artigo neste espaço, Luis Carlos Bresser-Pereira tratou do problema com competência e mostrou que ele pode ter solução.
Outra preocupação legítima, a de garantir que essa riqueza chegue às gerações futuras, pode ser resolvida com um fundo soberano bem concebido.
Mas o tratamento especificamente econômico da questão ainda me parece deficiente. Estados e municípios solicitam parcelas no bolo. Os ministros da Defesa, da Cultura e da Saúde pedem mais verbas para suas pastas, enquanto o presidente Lula lembra a dívida social brasileira, com destaque para a educação. São reivindicações meritórias. Porém, pensar o pré-sal como fonte de recursos a serem distribuídos de forma balcanizada, cada região ou setor defendendo o seu, é produzir um debate de má qualidade, cujo limite é a esperança de melhorar, aqui e ali, de forma incremental, o que já fazemos.
A nação não é uma soma de partes.
Os enormes investimentos necessários para desenvolver os campos, de um lado, e as gigantescas receitas que podemos esperar deles, de outro, criam as condições para pensarmos sistemicamente como promover uma mutação na economia brasileira na próxima década. Estamos falando em todas as engenharias, desde as pesadas até as de precisão, em serviços altamente especializados, em construção naval, em equipamentos de todo tipo, em robótica e eletrônica, em ligas metálicas e siderurgia, em infra-estrutura, em pesquisa científica e tecnológica. Se conseguirmos articular tudo isso de forma coerente, poderemos desenvolver na economia brasileira um núcleo industrial dinâmico e moderno, altamente demandante de trabalho qualificado. Sob esse ponto de vista, paradoxalmente, as dificuldades para extrair o petróleo em regiões tão profundas são uma bênção, justamente por exigirem tamanha cadeia produtiva e tanta inovação.
Está-se abrindo uma chance que há muito não tínhamos. A chance de um novo Plano de Metas.


CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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