São Paulo, domingo, 6 de setembro de 1998

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Terceira guerra começou
e é financeira

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

A "terceira guerra mundial" já começou. Mas ela será travada no campo das finanças.
A julgar pela passividade das autoridades internacionais, pelo espetáculo retórico dos ministros latino-americanos que se reuniram na semana passada em Washington e pelas reações cada vez mais agressivas dos governos asiáticos, a crise assumiu cores geopolíticas.
A Malásia eliminou a liberdade de movimentação de capitais. A China anunciou que está vendendo dólares. São reações defensivas, mas que podem ampliar a crise financeira internacional. Antes disso, o Japão fez ouvidos moucos aos insistentes pedidos das potências ocidentais para reduzir impostos e aumentar gastos. O cenário hoje é o do "cada um por si e o mercado contra todos".
De duas, uma: ou as potências médias e grandes estão, nos bastidores, articulando uma das mais espetaculares operações de resgate financeiro da história humana ou, como já ocorreu tantas vezes no passado, os mais fortes do planeta apostam na própria capacidade de sobrevivência. Operações de resgate, reza a tradição, acontecem apenas depois do terremoto. Afinal, quando se chega a esse ponto elas ficam também mais baratas.
Na semana passada, a agência de risco Moody"s rebaixou o Brasil em sua classificação de riscos. China e Hong Kong estão sendo examinadas, por causa da queda nas exportações chinesas e das fragilidades financeiras do encrave capitalista. Aliás, há pelo menos um ano os empresários globais já andavam descontentes com a lucratividade de seus projetos no país.
A China, depois de se desfazer de reservas em ienes, deu sinais de que vai vender dólares e aplicar no euro. O Banco do Povo da China tem US$ 140 bilhões em reservas. Mas, contando as reservas de Hong Kong, o poder de fogo chinês alcança a casa dos US$ 200 bilhões.
Medidas de controle de fluxo de capitais, como as adotadas nos últimos dias pela Malásia, indicam um novo cenário na crise global. Nessa guerra, as potências se enfrentam contando moeda forte em caixa, em vez de divisões, fragatas ou esquadrilhas de caças.
Como em todas as guerras, sobra irracionalidade. Afinal, se a China jogar água no moinho da desvalorização do dólar, estará dificultando as próprias exportações para o mercado norte-americano. Mas pode ser uma estratégia de jogar no "quanto pior, melhor".
Mas o euro, que os chineses estariam em vias de privilegiar, não parece destinado a momentos tão gloriosos. O Banco Central Europeu (BCE) enfrenta o dilema de tratar com países que, no ano que vem, estarão provavelmente descumprindo as metas de contenção de déficit público acordadas no Tratado de Maastricht.
Os bancos já estão reduzindo suas estimativas do crescimento europeu. O BCE vai manter a ortodoxia antiinflação, apostar num euro forte e condenar a União Européia a uma crise social ainda mais grave que a atual?
Para onde quer que se olhe, há problemas. Agora, além dos problemas, multiplicam-se as estratégias individualistas e desesperadas de jogar os custos da crise nos ombros dos outros.
Se isso não é uma guerra, é uma luta livre onde os golpes baixos tendem a ser cada vez menos surpreendentes.



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