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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Unilateralismo dos EUA compromete seu poder global
GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA
A supremacia econômica
e militar alcançada pelos
EUA com o fim da Guerra Fria
(pós-1989) afinal gerou um isolamento que pode ser fatal para
o seu poder imperial. Nas últimas semanas, após o anúncio de
uma nova política externa militarista e unilateral, levantou-se
praticamente em todo o mundo
uma onda de protestos e reações
oficiais, mas também da sociedade civil, contra o império.
No front doméstico as dificuldades também são significativas. Desde o 11 de setembro, a
propaganda do governo Bush
vem sofrendo uma perda progressiva de aderência. Cresce o
número de políticos do Partido
Democrata que se opõem abertamente ao presidente.
Mas talvez o evento doméstico
mais forte seja a paralisação dos
portos da Costa Oeste. A paralisação nos maiores portos dos
EUA, que já dura uma semana,
pode ser decisiva para precipitar
uma nova recessão.
Se os portuários não voltarem
logo aos seus postos, o comércio
das economias asiáticas com os
EUA estará a tal ponto comprometido que toda a região mergulhará em nova crise. Nos
EUA, as empresas operam com
estoques mínimos. Uma interrupção de alguns dias no fornecimento de insumos e componentes compromete rapidamente toda a linha de produção.
O unilateralismo militarista
também tem impactos econômicos negativos. As ameaças ao
Iraque já duram oito meses. A
tensão permanente força uma
alta dos preços do petróleo.
Não é fatal para os EUA, mas
complica bastante a situação de
economias mais dependentes de
importações de petróleo, sobretudo União Européia e Japão.
Quanto mais difícil a recuperação nessas regiões, menores as
chances de reerguimento da
própria economia americana.
O "prêmio de risco" associado
à guerra contra o Iraque é situado por especialistas em US$ 8,
num preço médio do barril do
tipo Brent que chegava, na semana passada, a US$ 29. É o dobro do que custava há 18 meses.
Outro paradoxo da supremacia dos EUA é a tendência do dólar a se valorizar num contexto
de crise militar global, ainda que
a perda de dinamismo econômico atue no sentido contrário
(da desvalorização do dólar).
Na economia americana, o
custo da ameaça militar é duplo:
afeta as perspectivas de crescimento e aumenta os riscos de
inflação, tornando menos plausível uma nova redução na taxa
de juros (que já está no nível
mais baixo dos últimos 40 anos).
Para alguns economistas, só
uma queda ainda maior dos juros teria o dom de levar os EUA
à recuperação. Em alguns setores já combalidos, como a aviação civil, os prejuízos com a alta
do petróleo tendem a aumentar
ainda mais.
Finalmente, a estratégia imperial de Bush aposta na reedição
da clássica receita republicana
de política econômica: aumentar gastos militares e reduzir impostos. Aumenta o déficit público. Quem financiará esse Estado
imperial desequilibrado e politicamente fragilizado?
Os governos (em especial,
agora, os europeus) resistem como podem ao unilateralismo
militarista. Mas as empresas e os
investidores, em suma, os capitalistas globais, tendem a se refugiar nos EUA com a piora do
quadro global.
Seria conspiratória ou paranóica a hipótese de que a política
de Bush busca estrategicamente
esse resultado, apostando no
"quanto pior, melhor". O mais
provável é que estejamos diante
do paradoxo de uma superpotência em crise que, tentando
reafirmar a todo custo sua hegemonia, apenas torna a cada dia
mais precárias as bases internas
e externas de sua dominação.
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