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OPINIÃO ECONÔMICA
O dólar escasso e a língua solta
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
A batalha do dólar recomeçou! Apesar de uma queda
importante na cotação da moeda
americana ao longo de novembro,
os sinais de que ainda vivemos
uma crise de liquidez externa gravíssima são visíveis. A escassez de
divisas externas é a grande marca
dos tempos que estamos vivendo e
a condicionante mais importante
da evolução da conjuntura brasileira, às vésperas da posse do novo
governo. Espero que o presidente
Lula e sua equipe tenham aproveitado esses últimos dias de paz e
amor para entender a natureza e
a gravidade da crise em que estamos mergulhados. A partir de janeiro, o destino de todos nós vai
depender disso.
Aproveito nosso encontro de hoje para atualizar o leitor da Folha
em relação a essa batalha pela recuperação de nossa solvência externa e cujo resultado vai marcar
o ano de 2003 no Brasil. Como um
correspondente de guerra, procurarei descrever os espaços em que
deverão acontecer os grandes
combates e as condições dos exércitos neles envolvidos, seus planos
estratégicos e a qualidade de seus
Estados-Maiores e principais comandantes. A tarefa do jornalista
que assume essa missão é facilitada, no caso brasileiro de hoje, pela
riqueza das informações a que ele
tem acesso. Ele pode realizar sua
tarefa em casa, sem correr os riscos do passado.
As estatísticas sobre mortos e feridos e o movimento das tropas
em luta estão disponíveis na internet e em outros sistemas de informações econômicas. Além disso, o
Banco Central, que faz parte do
Estado-Maior das forças governistas, informa periodicamente a posição e a força de seus exércitos.
Do lado do inimigo, também podemos acessar diariamente os comentários de seus principais estrategistas sobre o andamento dos
combates e os cenários previstos
para os próximos meses.
As dificuldades dessa estranha
guerra, que estamos vivendo desde fins do ano passado, agravaram-se a partir da eleição de um
novo governo, que ocorreu em
meio aos combates de outubro
passado. Isso levou os dois lados, o
que luta pela estabilização de nossa economia e aqueles que apostam em nosso colapso, a uma reavaliação de suas forças. As forças
do mal, quando a vitória de Lula
ficou clara, em junho passado, decidiram lançar um ataque frontal
contra o real, levando nossa moeda a uma posição de fraqueza extrema. Nosso colapso parecia, então, questão de dias.
Entretanto, nesse momento, os
que apostavam em nossa moratória externa foram surpreendidos
pelas declarações do novo presidente e de seus principais auxiliares de que manteriam a estratégia
de luta do governo anterior. Reafirmaram os compromissos com a
estabilidade macroeconômica, e
seus deputados e senadores no
Congresso Nacional passaram a
ter uma atuação totalmente diferente da de anos anteriores à vitória de Lula. Essas ações legislativas mais responsáveis do PT e as
sucessivas declarações de extremo
bom senso de alguns membros do
Estado-Maior de Lula levaram
até alguns combatentes a mudar
de lado, internando dólares no
país via mercado financeiro, para
aproveitar os benefícios dos elevadíssimos níveis de juros internos:
30% ao ano para investimentos
de curto prazo em dólares. Isso
permitiu ao Banco Central parar
de vender suas reservas para dar
liquidez ao mercado de câmbio e
rolar, para o ano que vem, parte
importante dos pesados vencimentos de nossa dívida interna.
Como decorrência, o risco Brasil
caiu bastante nos mercados externos, e um certo otimismo com o
futuro voltou para parte do mercado.
Quem comprova essas mudanças é o Banco Central em seu relatório sobre câmbio contratado, no
mês de novembro. Houve uma
queda importante do saldo negativo nas transações cambiais, que
passou de US$ 3 bilhões, em outubro, para menos de US$ 500 milhões, em novembro. Além disso,
esse déficit de divisas foi totalmente financiado por recursos dos
bancos comerciais privados. As
transferências internacionais de
reais -as famosas CC-5- também foram menores em relação
aos meses anteriores -US$ 1,7 bilhão em outubro, contra US$ 158
milhões em novembro-, mostrando de maneira clara essa trégua dos mercados. Com essa brisa
de confiança, a cotação do dólar
apresentou uma estabilidade relativa nos mercados financeiros
nos últimos 30 dias, interrompendo a marcha contínua da alta dos
últimos meses. Essas vitórias parciais, que foram recebidas com entusiasmo quase infantil pelos novos governantes do país, serviram
para fortalecer a posição de Antônio Palocci Filho, a liderança
mais expressiva do grupo de petistas que defendem uma política
econômica ortodoxa para o próximo ano.
Mas a posição do ex-prefeito de
Ribeirão Preto ainda é muito frágil, principalmente por ser ele um
general-de-divisão improvisado,
sem tropas e sem Estado-Maior.
Médico sanitarista, usando até
agora apenas seu bom senso e sua
experiência como prefeito, sua posição começa a dar sinais de enfraquecimento. Como sempre
acontece em política, seu crescimento em relação ao novo presidente está provocando reações de
ciúmes entre as estrelas mais antigas do partido. Já passamos da fase das intrigas internas para a de
agressões públicas. Sua derrota na
tentativa de manter Armínio Fraga como presidente do Banco
Central por um certo período e os
problemas para encontrar um
substituto que tenha a confiança
dos mercados estão criando dificuldades para convencer os investidores externos a rolar suas posições para depois de dezembro. O
dólar voltou a subir, levando consigo as expectativas de inflação e
de um novo aumento dos juros.
O resultado dessa luta interna,
idiota e fratricida, pode ser, no
curto prazo, a perda de um volume importante de reservas na virada do ano, enfraquecendo ainda mais as forças do bem, nos
campos de batalha. Iniciar um governo de quatro anos com US$ 13
bilhões livres no caixa e com uma
grande desconfiança dos mercados pode ser um erro irreparável.
Mas a ambiguidade parece ser a
marca do governo Lula, e teremos
que viver com ela. As dificuldades
para passar de um discurso de
oposição à FHC para uma estratégia de governo que tenha condições para enfrentar as terríveis dificuldades de hoje estão se mostrando quase incontornáveis a cada dia que passa.
O voluntarismo social e econômico, que caracterizou a campanha eleitoral de Lula, precisa ser
imediatamente substituído por
um plano de governo claro e que
defina as ações de natureza tática
e estratégica para os próximos
anos. Isso não existe ainda e as
novas dificuldades encontradas
no campo financeiro mostram isso.
Encontrar um discurso coerente, definir uma ação administrativa clara e evitar uma luta de poder em seu círculo mais próximo é
o grande desafio dos próximos
dias para Lula. Se prevalecerem
as divisões de sua equipe, que estão começando a vir a público, e
não for encontrada uma solução
eficiente para a diretoria do Banco Central, corremos o risco de
uma nova onda especulativa contra nossa moeda.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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