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LUÍS NASSIF
A crise dos Estados
Qualquer hipótese de rompimento unilateral do acordo da federalização das dívidas dos Estados deve ser rejeitada. Há um contrato na mesa assinado por governadores de Estados, no exercício
legítimo de seu mandato, e avalizado pelas respectivas Assembléias Legislativas.
Por outro lado, há um fator a legitimar a reação dos governadores contra o acordo que tem que
ser considerado: para a maioria
dos Estados, simplesmente vai ser
inviável cumpri-lo. Aí não se trata mais sequer de questão jurídica, mas de uma questão financeira.
O acordo foi um avanço, dentro
do incipiente federalismo brasileiro. Mas, talvez devido ao seu
caráter pioneiro, cometeram-se
vários erros de avaliação, que levaram à sua inviabilização.
Uma breve retrospectiva ajudaria a aclarar um pouco a história.
A inviabilização financeira dos
Estados teve uma causa e dois culpados, a União e os Estados. A
causa foi a estabilização da moeda, que mudou o regime de ajuste
orçamentário. Com inflação, o
ajuste se dava nas despesas, via
indexação imperfeita. Bastava
atrasar um mês o reajuste dos
subsídios dos servidores, para reduzir a folha em 30%. Com a estabilização encerrou-se esse ciclo.
Simultaneamente entrou-se em
uma armadilha conjuntural. Haveria um aquecimento natural da
demanda, por conta da estabilização. Com o câmbio apreciado, e
a redução indiscriminada das tarifas de importação, esse movimento foi potencializado. Houve
aumentos recordes na arrecadação que levaram todos os agentes
públicos -da própria União e Estados, municípios e universidades- a elevar proporcionalmente
o nível de despesa, crentes de que
havia sido instituído um novo piso nas receitas públicas.
Fim de sonho
O sonho durou até meados de
1995, quando a política monetária instituída arrebentou com as
contas ao reduzir a arrecadação
-sem haver mais a inflação para
ajustar o nível de despesas- e ao
impor um ritmo de crescimento
exponencial nas dívidas estaduais.
A estratégia do governo federal
consistiu de duas frentes. A primeira, a federalização das dívidas estaduais, inclusive de dívidas junto aos bancos oficiais. Foi
o primeiro erro, porque negociações de mercado, entre os bancos e
os devedores, se transformaram
em negociações políticas, tirando
toda a flexibilidade para a busca
de soluções individuais.
A segunda frente consistiu em
colocar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar a
reestruturação dos Estados, por
meio da antecipação de receitas
de privatização. Seria uma medida virtuosa, se, simultaneamente,
o Ministério da Fazenda e a Secretaria do Tesouro tivessem monitorado a reestruturação dos Estados, por meio da instituição de
metas intermediárias - já que
reestruturação é um processo conquistado mês a mês.
No entanto, por concessão política do governo federal, além de
não haver esse monitoramento,
permitiu-se que os recursos fossem utilizados para cobrir déficits
operacionais, isto é, para permitir
aos governadores adiarem os
ajustes. No início do processo, tinham- se Estados deficitários, mas
com patrimônio. No final, Estados
quebrados e sem patrimônio.
Conta besta
A União julgava contar com
dois instrumentos para se proteger. Um deles, um contrato especificando claramente as garantias.
Para uma empresa privada, seria
o suficiente. No plano das relações
políticas federativas, está provado que não, ainda mais se se comprovar que o cumprimento do
contrato é inviável.
O segundo, uma inconsistência
matemática fatal. Os Estados pagariam o equivalente a um percentual da sua receita. A avaliação era que havia se conseguido
um instrumento de auto-ajuste
para desequilíbrios conjunturais:
em caso de recessão, caindo a receita, automaticamente, cairia o
montante a ser pago.
Onde está a inconsistência? É
uma continha até besta, de tão
simples, mas que passou em branco na época. Confira:
Situação 1: o Estado arrecada
100, tem 60 de folha, mais 30 de
despesas essenciais. Sobram 10.
Então ele fecha o acordo para pagar a União todo mês o equivalente a 10% da sua arrecadação.
Situação 2: a arrecadação cai
10%. O Estado passa a arrecadar
90. Mas as despesas com a folha
continuam em 60 e as despesas essenciais em 30. Portanto os 10%
de queda na arrecadação consumiram integralmente os 10% que
estavam reservados para pagar os
compromissos com a União. O pagamento mensal que ele tinha de
FAF caiu 10% (de 10 para 9), mas
o dinheiro que ele tinha para pagar caiu 100% (de 10 para 0).
Mesmo Estados que procederam
ao ajuste fiscal (como São Paulo)
não vão conseguir administrar essa conta. E não haverá nenhuma
forma de ajuste que consiga resolver essa situação no curto prazo.
Conclusão: vai ter que se partir
para uma renegociação do acordo, que corrija esses vícios de origem. De sua parte, em vez de rompantes, os governadores terão que
se comprometer com metas objetivas e factíveis de ajuste nas contas
públicas, monitoradas mês a mês.
De sua parte, a União terá que facilitar a travessia, sem abrir mão
das garantias contratuais.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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