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OPINIÃO ECONÔMICA
Desdobramentos do caso Nestlé/Garoto
GESNER OLIVEIRA
A decisão do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) de desfazimento
da compra da Garoto pela Nestlé
representa marco na aplicação da
defesa da concorrência no Brasil e
no Mercosul que terá efeitos duradouros em vários setores.
É risível a objeção ao rigor do
Cade nessa operação sob a alegação de que chocolate não é um
bem essencial. O Cade não é nutricionista para dizer o que é essencial na dieta do brasileiro. Sua
função é aplicar a lei de defesa da
concorrência em cada caso, levando em consideração as informações relevantes e as peculiaridades de cada mercado.
A aplicação da lei, por sua vez,
emite um sinal aos vários segmentos daquilo que é lícito e daquilo que é falta no jogo do mercado. Assim, algumas poucas decisões importantes servem de guia
para um sem-número de setores,
substituindo o oneroso e ineficaz
monitoramento sobre o conjunto
da economia. Nos EUA, por
exemplo, uma decisão envolvendo uma querela entre estações de
esqui (que, aliás, lembra chocolate) influencia até hoje a discussão
sobre infra-estrutura essencial em
utilidades públicas, como telefonia e eletricidade.
No caso Nestlé/Garoto, verificou-se sensível aumento do poder
de mercado sem uma contrapartida de redução de custos que pudesse justificar a operação do
ponto de vista da concorrência.
Isso está amplamente documentado no sólido voto do conselheiro
Thompson de Andrade.
Tampouco resiste à análise e
aos fatos a interpretação de que a
decisão da última quarta-feira estaria em contradição com a jurisprudência do Cade. Há um inegável salto de qualidade, como é
normal em qualquer processo de
evolução institucional. Mas não
há incoerência com as jurisprudências nacional ou internacional.
Ordens de desinvestimento pelo
Cade já foram emitidas desde a
implantação do controle de fusões no Brasil, em 1994. Os casos
Eternit/Brasilit e Rhodia/Sinasa,
em 1994, Gerdau/Pains, em 1995/
96, e a própria AmBev, em 2000,
são alguns exemplos, além da determinação mais recente de venda de 16 lojas de supermercados e
hipermercados.
O fato de a constituição da AmBev ter gerado concentração elevada e comparável à da Nestlé/
Garoto não significa que a decisão do Cade deveria ser a mesma.
Em antitruste, cada caso é um caso, observada a coerência com relação à metodologia de análise. A
concentração de mercado não é
condição suficiente, nem mesmo
necessária, para concluir acerca
dos efeitos concorrenciais de uma
operação.
Apenas para citar uma das diferenças, no caso da AmBev verificaram-se eficiências compensatórias relativamente altas quando
comparadas com as da Nestlé/
Garoto. Isso é demonstrável, aplicando-se a mesma metodologia
de cálculo da OCDE adotada em
várias jurisdições e minuciosamente aplicada pelo conselheiro
Thompson Andrade no caso Nestlé/Garoto.
Em vez do tititi que costuma seguir decisões de maior repercussão, as empresas e analistas de
mercado deveriam se debruçar
sobre os votos e as razões de decidir do Cade, que estão disponíveis
em www.cade.gov.br. Trata-se de
material indispensável para elaborar análises de risco concorrencial, necessárias ao planejamento
de qualquer operação. Da mesma
forma, as associações de consumidores deveriam estar atentas para
municiar as autoridades antitruste de informações úteis para a
tomada de decisão.
É legítima a preocupação do governo do Espírito Santo com o impacto que a decisão possa ter sobre o nível de emprego. Aliás, diferentemente daquilo que reza a
cartilha antitruste dos EUA, essa
é uma preocupação que deveria
ser considerada na defesa da concorrência em países em desenvolvimento, como tem sido feito, por
exemplo, na África do Sul.
Ocorre, porém, que, no caso da
Nestlé/Garoto, a melhor maneira
de defender o investimento e o
emprego naquele Estado é implementar de forma rápida a decisão
do Cade. Isso porque a venda para um novo grupo impede a depreciação dos ativos e a demissão
dos trabalhadores, assegurando
novas inversões, emprego e arrecadação para a região.
Eventual recurso ao Judiciário
contra uma decisão sólida do
ponto de vista técnico tem futuro
incerto. Seria melhor para os trabalhadores que o governador do
Espírito Santo se empenhasse em
atrair um novo investidor para
adquirir a Garoto, que, dentro
das regras do mercado, pudesse
assumir compromissos de expandir os negócios e o emprego naquele Estado.
A forma colegiada, transparente e independente em que a decisão do Cade foi tomada, em uma
sessão presidida com serenidade e
competência pelo presidente João
Grandino Rodas, oferece o modelo a ser seguido pelo governo federal no projeto de agências reguladoras, que se encontra em elaboração pelo Executivo. Sem esquecer, naturalmente, dos recursos
orçamentários indispensáveis para que o trabalho possa ser executado em tempo econômico.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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