São Paulo, quinta-feira, 07 de fevereiro de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Um estranho casal descolado


Commodities e juros altos sustentam "descolamento" parcial entre economias de emergentes e de países ricos

O DESAQUECIMENTO no mundo rico já influenciaria os "emergentes". Cai o ritmo da produção industrial e das exportações, em especial em economias mais voláteis da Ásia e no México. Mas o preço resistente das commodities, os juros altos e a saúde financeira dos emergentes têm servido de vacina contra a febre do crescimento amarelado e cadente nos EUA.
O argumento está num relatório dos economistas do JP Morgan nos Estados Unidos, os quais vêm testando a idéia do "descolamento" ("decoupling") em artigos que levam no título jogos de palavras com o filme "The Odd Couple" ("Um Estranho Casal"), com Jack Lemmon e Walter Matthau, amigos que se estranham violentamente quando o perfeccionista Lemmon vai viver com o porcão Matthau.
O impacto do desaquecimento no mundo rico (EUA, Canadá, Europa ocidental e Japão) nos emergentes tem sido um terço menor do que o habitual. No modelo do banco, a desaceleração nas economias ricas é acompanhada em geral por uma queda de ritmo similar nos países emergentes. O impacto até agora teria sido inferior ao esperado devido ao bom desempenho dos mercados financeiros emergentes.
Em geral as economias menos afetadas pela queda da produção de bens de consumo no mundo rico tendem a ser China e Índia. Na pior estariam Taiwan, México, Polônia e Turquia. Mas o efeito registrado na produção industrial até agora foi nenhum no Leste Europeu e "limitado" na América Latina (fora México).
O JP Morgan julga que, em parte, "descasamento" (ou "descolamento") é ilusão. Depois de ótimo desempenho nos estágios iniciais da crise, entre setembro e novembro, houve saídas brutais das Bolsas emergentes a partir de dezembro. Mas as finanças desses países ainda resistem. O dinheiro não teria fugido. Foi realocado para a renda fixa devido à grande diferença de juros entre os emergentes e os EUA, caso gritante do Brasil. Tal fluxo de investimento em renda fixa e a variação comportada dos níveis de percepção de risco por ora não batem com as previsões do modelo do banco americano. O preço por enquanto firme e alto das commodities sustentou outra parcela grande do fluxo de recursos para os emergentes. A resultante foi que as taxas de câmbio desses países vêm se sustentando, como se observa com o dólar a R$ 1,75 no caso do Brasil.
O pessoal do JP Morgan ressalta que um dos fatos "mais intrigantes" dos últimos sete meses foi a "aparente desconexão entre os preços das "commodities" e os elevados riscos que envolvem as perspectivas globais": os preços de petróleo, produtos agropecuários e metais preciosos subiram entre 20% e 40% desde meados de julho de 2007 (quando começou a primeira das ondas de pânico desta temporada pré-recessiva).
A "força surpreendente" das commodities indica que a demanda mundial não tombará o suficiente para brecar a expansão mundial e ajudaria a sustentar a hipótese do descasamento: os emergentes poderiam descolar em quase 50% do desaquecimento das economias ricas.
No entanto, tais simulações do JP Morgan ainda pressupõem que os Estados Unidos vão estagnar no primeiro semestre de 2008, mas não entrariam em recessão braba.


vinit@uol.com.br

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