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OPINIÃO ECONÔMICA
Juros e juros
MAILSON DA NÓBREGA
A taxa de juros é um tema
complexo. Presta-se a análises
abalizadas, à polêmica e até ao
exercício da desonestidade intelectual e da ignorância.
Nos países desenvolvidos, os
juros costumam ser tratados
com elevado profissionalismo.
Nos EUA, especialistas analisam os sinais emitidos pelo Federal Reserve, o banco central,
para tentar detectar a direção
dos juros. São os "Fed watchers".
O Fed, por seu turno, tem interesse no trabalho desses analistas. Eles traduzem mensagens
cifradas e transmitem sinais
vindos do mercado.
Apesar disso, há divergências,
mas raramente elas surgem de
"achismo", de visões ideológicas
ou de meros palpites.
A não ser em períodos de muita calmaria, é difícil encontrar
uma posição consensual. Os
analistas se dividem até mesmo
quando concordam com a direção dos juros. Divergirão sobre o
tamanho do movimento. A taxa
vai subir 0,25 ponto percentual
ou 0,50 ponto percentual?
Na mídia, há opiniões de peso,
como a da revista "The Economist". Ela vem sugerindo há dois
anos um aumento forte dos juros para evitar que a bolha especulativa na Bolsa de Valores
continue crescendo. Nesta semana, o presidente do Fed falou
que não acredita em aumento
dos juros para provocar correções na Bolsa.
No Brasil, estamos melhorando. O Banco Central institucionalizou o processo decisório sobre a taxa de juros. É um dos
grandes avanços dos últimos
tempos. É cada vez menor o espaço para o voluntarismo e para
o amadorismo nessa delicada
matéria.
O Banco Central divulga seus
modelos de previsão e a ata contendo as razões de suas decisões.
Por tudo isso, já temos os "BC
watchers". Divergências sobre os
juros já são fundamentadas em
argumentos, tanto nas consultorias quanto nos bancos e na mídia.
Ainda temos, todavia, que
avançar muito. Os juros ainda
servem para a demagogia, para
o palpite inconsequente e para
reflexões pessoais comandadas
pela desinformação.
Muitas opiniões parecem sugerir que o nível dos juros constitui mero capricho da equipe econômica. Baixá-los seria uma
questão de "vontade política",
para "fazer o país crescer". Se a
economia vai bem, por que os
juros não caem? É a pergunta
dos atônitos.
Ainda é difícil perceber o papel
da taxa de juros em uma economia crescentemente integrada
aos fluxos mundiais de comércio
e finanças. Por exemplo, na última redução da taxa Selic, a mídia deu destaque à redução de
despesas do Tesouro.
O Banco Central é responsável
pela geração de um bem público
essencial: a estabilidade da moeda. Não é possível medir o seu
custo nem cobrá-lo. O BC deve
ser avaliado pela produção desse
bem, e não pelo efeito de suas
decisões no campo fiscal.
Seria grave erro, pois, baixar
os juros para resolver o déficit
público. Mas o apelo aumenta
quando o "analista" constata
que a conta de juros parece com
o déficit, como será o caso este
ano. Daí para falar no "componente financeiro do déficit" é um
passo.
O pior mesmo foi o professor
de economia que sugeriu baixar
os juros para acomodar um aumento maior do salário mínimo. E se uma crise obrigasse o
Banco Central a aumentar os juros? O salário mínimo seria reduzido? Pura desonestidade intelectual. Não aceito que seja
simples ignorância.
Vi comparações internacionais para criticar o Banco Central por não baixar muito a taxa
de juros. Ou seja, se os juros reais
da Malásia, do México, do Chile
e outros são menores, porque
manter os nossos tão altos? Aqui
eu acho que é grossa desinformação.
Os juros no Brasil e nos países
citados refletem suas particulares condições macroeconômicas.
Têm a ver com a natureza de
seus fundamentos, especialmente no campo fiscal e no balanço
de pagamentos. Comparar um
país com outro é absurdo.
Querer que os juros caiam porque eles são menores em algum
lugar é o mesmo que pedir para
baixar a poluição de São Paulo
com base na de outras cidades
no exterior. A queda da poluição depende da remoção de suas
causas, e não de "vontade política".
Os juros altos no Brasil resultam essencialmente do risco derivado do déficit estrutural do
setor público. Este resulta da irresponsabilidade fiscal do passado, levada aos píncaros pela
Constituição de 1988.
Os juros pagos pelo tomador
final também são um subproduto desse quadro institucional.
Derivam em grande parte da incidência múltipla de contribuições fiscais nas transações financeiras (caso único no mundo),
da ainda baixa competição e
dos riscos típicos da situação
brasileira. Sem resolver as causas, não desaparecerá o efeito.
É salutar a discussão sobre os
juros, apesar da poluição das
más idéias.
Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da
Fazenda (governo José Sarney), sócio da
Tendências Consultoria Integrada, escreve
às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br
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