São Paulo, sexta-feira, 07 de abril de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Juros e juros


MAILSON DA NÓBREGA

A taxa de juros é um tema complexo. Presta-se a análises abalizadas, à polêmica e até ao exercício da desonestidade intelectual e da ignorância.
Nos países desenvolvidos, os juros costumam ser tratados com elevado profissionalismo.
Nos EUA, especialistas analisam os sinais emitidos pelo Federal Reserve, o banco central, para tentar detectar a direção dos juros. São os "Fed watchers".
O Fed, por seu turno, tem interesse no trabalho desses analistas. Eles traduzem mensagens cifradas e transmitem sinais vindos do mercado.
Apesar disso, há divergências, mas raramente elas surgem de "achismo", de visões ideológicas ou de meros palpites.
A não ser em períodos de muita calmaria, é difícil encontrar uma posição consensual. Os analistas se dividem até mesmo quando concordam com a direção dos juros. Divergirão sobre o tamanho do movimento. A taxa vai subir 0,25 ponto percentual ou 0,50 ponto percentual?
Na mídia, há opiniões de peso, como a da revista "The Economist". Ela vem sugerindo há dois anos um aumento forte dos juros para evitar que a bolha especulativa na Bolsa de Valores continue crescendo. Nesta semana, o presidente do Fed falou que não acredita em aumento dos juros para provocar correções na Bolsa.
No Brasil, estamos melhorando. O Banco Central institucionalizou o processo decisório sobre a taxa de juros. É um dos grandes avanços dos últimos tempos. É cada vez menor o espaço para o voluntarismo e para o amadorismo nessa delicada matéria.
O Banco Central divulga seus modelos de previsão e a ata contendo as razões de suas decisões. Por tudo isso, já temos os "BC watchers". Divergências sobre os juros já são fundamentadas em argumentos, tanto nas consultorias quanto nos bancos e na mídia.
Ainda temos, todavia, que avançar muito. Os juros ainda servem para a demagogia, para o palpite inconsequente e para reflexões pessoais comandadas pela desinformação.
Muitas opiniões parecem sugerir que o nível dos juros constitui mero capricho da equipe econômica. Baixá-los seria uma questão de "vontade política", para "fazer o país crescer". Se a economia vai bem, por que os juros não caem? É a pergunta dos atônitos.
Ainda é difícil perceber o papel da taxa de juros em uma economia crescentemente integrada aos fluxos mundiais de comércio e finanças. Por exemplo, na última redução da taxa Selic, a mídia deu destaque à redução de despesas do Tesouro.
O Banco Central é responsável pela geração de um bem público essencial: a estabilidade da moeda. Não é possível medir o seu custo nem cobrá-lo. O BC deve ser avaliado pela produção desse bem, e não pelo efeito de suas decisões no campo fiscal.
Seria grave erro, pois, baixar os juros para resolver o déficit público. Mas o apelo aumenta quando o "analista" constata que a conta de juros parece com o déficit, como será o caso este ano. Daí para falar no "componente financeiro do déficit" é um passo.
O pior mesmo foi o professor de economia que sugeriu baixar os juros para acomodar um aumento maior do salário mínimo. E se uma crise obrigasse o Banco Central a aumentar os juros? O salário mínimo seria reduzido? Pura desonestidade intelectual. Não aceito que seja simples ignorância.
Vi comparações internacionais para criticar o Banco Central por não baixar muito a taxa de juros. Ou seja, se os juros reais da Malásia, do México, do Chile e outros são menores, porque manter os nossos tão altos? Aqui eu acho que é grossa desinformação.
Os juros no Brasil e nos países citados refletem suas particulares condições macroeconômicas. Têm a ver com a natureza de seus fundamentos, especialmente no campo fiscal e no balanço de pagamentos. Comparar um país com outro é absurdo.
Querer que os juros caiam porque eles são menores em algum lugar é o mesmo que pedir para baixar a poluição de São Paulo com base na de outras cidades no exterior. A queda da poluição depende da remoção de suas causas, e não de "vontade política".
Os juros altos no Brasil resultam essencialmente do risco derivado do déficit estrutural do setor público. Este resulta da irresponsabilidade fiscal do passado, levada aos píncaros pela Constituição de 1988.
Os juros pagos pelo tomador final também são um subproduto desse quadro institucional. Derivam em grande parte da incidência múltipla de contribuições fiscais nas transações financeiras (caso único no mundo), da ainda baixa competição e dos riscos típicos da situação brasileira. Sem resolver as causas, não desaparecerá o efeito.
É salutar a discussão sobre os juros, apesar da poluição das más idéias.



Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.

E-mail: mailson@palavra.inf.br


Texto Anterior: Setor usa 81,6% da capacidade, diz CNI
Próximo Texto: Imposto de Renda: Bem pode ser taxado na separação
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.