São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2004

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COMÉRCIO EXTERIOR

Em carta ao governo americano, ministro Celso Amorim lamenta que negociações continuem "secundárias"

Cresce impasse entre Brasil e EUA na Alca

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS

O ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) deu uma espécie de ultimato aos EUA a respeito das negociações da Alca.
Em carta a Robert Zoellick, responsável pelo comércio exterior norte-americano, Amorim afirma lamentar que "continuemos enredados em discutir aspectos secundários, em vez de começarmos uma negociação efetiva e mutuamente benéfica sobre acesso a mercado".
A observação do chanceler, em texto do qual a Folha obteve cópia, refere-se ao fato de que, em conversações anteriores, Zoellick havia exposto a Amorim o interesse norte-americano pelo mercado do Brasil/Mercosul de bens e serviços, "dadas as complexidades e sensibilidades, para ambos os lados, do aspecto da negociação relativo a regras".
É uma alusão a uma das grandes divergências entre o Brasil (acompanhado pelos sócios do Mercosul) e os EUA na negociação da Área de Livre Comércio das Américas: o bloco do sul quer pôr toda a ênfase no "acesso a mercados" -ou seja, na derrubada das tarifas de importação.
Os EUA, com o apoio de um grupo de 13 países em que figuram Canadá, Chile e México, deslocam a ênfase para as negociações em torno de regras e disciplinas em áreas que não são exatamente comerciais, como respeito à propriedade intelectual e proteção ao investimento externo.
Essas divergências, que passam pela discórdia em torno do protecionismo agrícola norte-americano, levaram a Alca a um beco sem saída, a ponto de o chanceler argentino, Rafael Bielsa, já ter avisado que é certo que a área de livre comércio não estará pronta até 2005, prazo originalmente fixado para o fim das negociações.
Na carta a Zoellick, Amorim reafirma o que os negociadores brasileiros vêm dizendo, reunião após reunião, desde a Conferência Ministerial de Miami, em que ficou estabelecido um esquema de "Alca light". Ou seja, um conjunto comum e básico de direitos e obrigações, além do qual só participa o país que quiser.
"De importância primordial é a necessidade de permanecer fiel à letra e ao espírito da declaração de Miami", diz a carta. Os Estados Unidos, que se aliaram ao Brasil para definir a declaração de Miami, passaram a defender depois a tese de que, se a Alca é "light", as ambições em todos os capítulos têm de ser igualmente "light".
Ou seja, o Mercosul ganha pouco acesso a mercado, mesmo em agricultura, sua prioridade, se não fizer concessões em outras áreas (como serviços, investimentos e propriedade intelectual).
Amorim lista, em seguida, os pontos que devem ser enfrentados, "de maneira a finalizar com sucesso o conjunto comum de direitos e obrigações". São eles:
1 - "Efetivo acesso a mercado para produtos agrícolas". O chanceler cita que "melhorar as condições de acesso a mercado para exportações agrícolas é essencial para o Brasil e para o Mercosul".
2 - A "maneira de lidar com aspectos específicos das negociações sobre serviços". Nesse ponto, a carta é dura. O Mercosul quer que a negociação específica se limite ao estabelecido na Organização Mundial de Comércio, no Gats (Acordo Geral sobre Comércio de Serviços).
Os EUA querem mais. Pretendem incluir disciplinas que invadem a área do tratamento a investimentos. Ao fracassado encontro de Buenos Aires, na semana passada, o Mercosul levara a proposta de buscar "significativa melhoria nas condições de acesso a mercado", tanto para bens como para serviços. A carta do chanceler diz que "esse claro avanço conceitual mostra que não há, de nossa parte, reserva mental em entrar em negociações significativas de acesso a mercado em serviços, como, por falar nisso, estamos fazendo com a União Européia".
3 - "A questão de implantação/ obrigatoriedade dos direitos de propriedade intelectual".
Amorim explica que a ênfase do Mercosul está posta na cooperação técnica para evitar desrespeito a patentes, o que inibiria uma chuva de demandas judiciais na OMC reclamando da violação de patentes, por conta de "limitações financeiras e materiais". Tais demandas teriam "efeito perverso" no comércio regional, diz a carta.
Por fim, o chanceler reclama da ameaça de "piorar" as ofertas já feitas pelos EUA para abrir seu mercado nas áreas de agricultura e serviços.
Na tarde de ontem, o chanceler disse a deputados, na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, que as negociações sobre a Alca não estão evoluindo por causa da "falta de pragmatismo do governo americano" e defendeu a política brasileira de negociação.


Com a Sucursal de Brasília

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