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OPINIÃO ECONÔMICA
O retorno de políticas transformadoras
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Políticas industriais e tecnológicas não são feitas para
responder a dificuldades conjunturalmente enfrentadas pelas
economias. Seu significado maior
consiste na busca de transformações que permitam à economia
(ou frações dela) alcançar uma
nova rota de crescimento, supostamente rápido e sustentável.
Admitido o anterior, coloca-se,
de saída, uma difícil questão. É
imprescindível que as políticas
-voltadas que são para o futuro- não cedam às pressões imediatistas de grupos econômica e/
ou politicamente poderosos. Reabre-se assim uma velha polêmica.
Será possível insular ou blindar
políticas públicas?
A indagação leva a uma primeira resposta, relativamente
simples. O conhecimento que temos hoje de certas experiências
espetacularmente exitosas de
crescimento deixa claro que políticas industriais e tecnológicas
podem, sim, ter um grande êxito
-desde que se consiga dar continuidade aos programas e que
seus formuladores e executores logrem efetivamente coordenar decisões orientadas por objetivos de
longo prazo. Os casos da Coréia
do Sul, de Taiwan e de Cingapura
são demasiado conhecidos e demasiado eloqüentes para que se
possa negar essa possibilidade.
Admitido, porém, que em sua
fase mais exuberante de crescimento os países citados não eram
democracias, a pergunta pode ser
refeita da seguinte maneira. É
possível blindar políticas públicas
em plena vigência da democracia? A esse propósito, fica aqui
apenas uma advertência. Se as
políticas da democracia muitas
vezes se mostram excessivamente
condicionadas por interesses eleitorais, as ditaduras, acompanhadas em regra por reduzida transparência e alta impunidade, podem ser convertidas em banquete
para os interesses -sem quaisquer veleidades transformadoras.
Em resumo, ditaduras, bem como
democracias, certamente se mostram sujeitas a pressões e demandas particularistas e curto-prazistas.
Como fica o Brasil nesse terreno?
Para negar a contribuição de
políticas industriais e tecnológicas para o crescimento deste país,
seria necessário mostrar que Volta Redonda, assim como a montagem na segunda metade dos
anos 1950 de uma cadeia automobilística (montadoras e autopeças) ou, num outro plano, a
Embrapa e o CTA, não contribuiu para o desenvolvimento deste país. Inglória tarefa! Em cada
um desses empreendimentos (e
vários outros poderiam ser citados) políticas do gênero aqui destacado estiveram presentes, o que
implica dizer que nenhum deles
nasceu em resposta a sinais de
mercado ou demandas de interesses constituídos. Em outras palavras, todos eles partem e são em
maior ou menor medida guiados
por políticas visando profundas
mudanças, a serem alcançadas a
longo prazo.
É bem verdade que, para conseguir proteger os técnicos da ingerência de interesse imediatistas (e
diante da dificuldade de fazê-lo),
os governos lançaram mão, no
Brasil, de diversos expedientes.
Um deles consistiu em fazer vista
grossa à permuta de nomeações
por apoio político. Os institutos de
seguridade e os voltados para determinadas atividades, como o
Instituto do Açúcar e do Álcool,
ilustram, no passado, esse tipo de
"solução". Um segundo encaminhamento consistiu em criar
"ilhas de excelência", a que seriam entregues "missões" vistas
como estratégicas para o avanço
do país.
Também é verdade, por outro
lado, que governos fracos -como
o de Jango- cederam mais que
outros, minando a capacidade de
promover transformações da economia, a partir de políticas industriais e tecnológicas. Mas nada
disso nega o fato de que o Brasil se
destaca na América Latina como
o país que mais conseguiu, no
passado, promover mutações econômicas, a partir de políticas do
tipo aqui focalizado.
Como fica, à luz do que acaba
de ser dito, a política industrial e
tecnológica que acaba de ser
anunciada? Para responder a essa questão, convém chamar a
atenção para o fato de que a nova
política contém duas dimensões,
nitidamente distinguíveis.
A primeira delas se refere às linhas especiais de crédito voltadas
para a modernização e a intensificação dos investimentos. Inegavelmente oportunas, em certos casos (como o Modermaq), essas
medidas atendem à demanda por
crédito em condições internacionalmente competitivas. Trata-se,
no entanto, de políticas convencionais, obviamente permeáveis
aos interesses e que visam, essencialmente, tonificar a recuperação da economia que está sendo
ensaiada.
Já a segunda parte, qualitativamente diversa, visa transformar a
busca incessante de inovações
(melhorias de produtos, processos
produtivos, relacionamento com
o mercado e os fornecedores) em
comportamento padrão das empresas. Aqui, sim, reside uma tentativa de guinada, equivalente,
"mutatis mutandi", a Volta Redonda, na evolução da indústria,
e à Embrapa, no tocante à agropecuária.
Em suma, é a segunda parte que
poderá modificar, substancialmente, a rota e o ritmo do crescimento desta economia. Para tanto, é necessário que, uma vez definidas as linhas maiores dessa política pelo governo, as instituições
e os técnicos envolvidos gozem de
considerável autonomia decisória e seus programas de trabalho
não sejam sujeitos a interrupções.
Antonio Barros de Castro, 65,
professor titular da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e
Social), escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
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