São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

O retorno de políticas transformadoras

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Políticas industriais e tecnológicas não são feitas para responder a dificuldades conjunturalmente enfrentadas pelas economias. Seu significado maior consiste na busca de transformações que permitam à economia (ou frações dela) alcançar uma nova rota de crescimento, supostamente rápido e sustentável.
Admitido o anterior, coloca-se, de saída, uma difícil questão. É imprescindível que as políticas -voltadas que são para o futuro- não cedam às pressões imediatistas de grupos econômica e/ ou politicamente poderosos. Reabre-se assim uma velha polêmica. Será possível insular ou blindar políticas públicas?
A indagação leva a uma primeira resposta, relativamente simples. O conhecimento que temos hoje de certas experiências espetacularmente exitosas de crescimento deixa claro que políticas industriais e tecnológicas podem, sim, ter um grande êxito -desde que se consiga dar continuidade aos programas e que seus formuladores e executores logrem efetivamente coordenar decisões orientadas por objetivos de longo prazo. Os casos da Coréia do Sul, de Taiwan e de Cingapura são demasiado conhecidos e demasiado eloqüentes para que se possa negar essa possibilidade.
Admitido, porém, que em sua fase mais exuberante de crescimento os países citados não eram democracias, a pergunta pode ser refeita da seguinte maneira. É possível blindar políticas públicas em plena vigência da democracia? A esse propósito, fica aqui apenas uma advertência. Se as políticas da democracia muitas vezes se mostram excessivamente condicionadas por interesses eleitorais, as ditaduras, acompanhadas em regra por reduzida transparência e alta impunidade, podem ser convertidas em banquete para os interesses -sem quaisquer veleidades transformadoras. Em resumo, ditaduras, bem como democracias, certamente se mostram sujeitas a pressões e demandas particularistas e curto-prazistas.
Como fica o Brasil nesse terreno?
Para negar a contribuição de políticas industriais e tecnológicas para o crescimento deste país, seria necessário mostrar que Volta Redonda, assim como a montagem na segunda metade dos anos 1950 de uma cadeia automobilística (montadoras e autopeças) ou, num outro plano, a Embrapa e o CTA, não contribuiu para o desenvolvimento deste país. Inglória tarefa! Em cada um desses empreendimentos (e vários outros poderiam ser citados) políticas do gênero aqui destacado estiveram presentes, o que implica dizer que nenhum deles nasceu em resposta a sinais de mercado ou demandas de interesses constituídos. Em outras palavras, todos eles partem e são em maior ou menor medida guiados por políticas visando profundas mudanças, a serem alcançadas a longo prazo.
É bem verdade que, para conseguir proteger os técnicos da ingerência de interesse imediatistas (e diante da dificuldade de fazê-lo), os governos lançaram mão, no Brasil, de diversos expedientes. Um deles consistiu em fazer vista grossa à permuta de nomeações por apoio político. Os institutos de seguridade e os voltados para determinadas atividades, como o Instituto do Açúcar e do Álcool, ilustram, no passado, esse tipo de "solução". Um segundo encaminhamento consistiu em criar "ilhas de excelência", a que seriam entregues "missões" vistas como estratégicas para o avanço do país.
Também é verdade, por outro lado, que governos fracos -como o de Jango- cederam mais que outros, minando a capacidade de promover transformações da economia, a partir de políticas industriais e tecnológicas. Mas nada disso nega o fato de que o Brasil se destaca na América Latina como o país que mais conseguiu, no passado, promover mutações econômicas, a partir de políticas do tipo aqui focalizado.
Como fica, à luz do que acaba de ser dito, a política industrial e tecnológica que acaba de ser anunciada? Para responder a essa questão, convém chamar a atenção para o fato de que a nova política contém duas dimensões, nitidamente distinguíveis.
A primeira delas se refere às linhas especiais de crédito voltadas para a modernização e a intensificação dos investimentos. Inegavelmente oportunas, em certos casos (como o Modermaq), essas medidas atendem à demanda por crédito em condições internacionalmente competitivas. Trata-se, no entanto, de políticas convencionais, obviamente permeáveis aos interesses e que visam, essencialmente, tonificar a recuperação da economia que está sendo ensaiada.
Já a segunda parte, qualitativamente diversa, visa transformar a busca incessante de inovações (melhorias de produtos, processos produtivos, relacionamento com o mercado e os fornecedores) em comportamento padrão das empresas. Aqui, sim, reside uma tentativa de guinada, equivalente, "mutatis mutandi", a Volta Redonda, na evolução da indústria, e à Embrapa, no tocante à agropecuária.
Em suma, é a segunda parte que poderá modificar, substancialmente, a rota e o ritmo do crescimento desta economia. Para tanto, é necessário que, uma vez definidas as linhas maiores dessa política pelo governo, as instituições e os técnicos envolvidos gozem de considerável autonomia decisória e seus programas de trabalho não sejam sujeitos a interrupções.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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