São Paulo, sábado, 07 de maio de 2005

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RESENHA/THOMAS L. FRIEDMAN

Globalização cria "mundo plano"

FAREED ZAKARIA
DO "NEW YORK TIMES"

Nos últimos anos, os Estados Unidos estiveram obcecados pelo Oriente Médio. O governo, a imprensa e a população se concentraram quase exclusivamente nessa região. Mas será que nos concentramos no problema errado? Há alguns sinais disso.
Isso não significa que o Oriente Médio vá desaparecer do mapa. Longe disso. O terrorismo continua sendo ameaça. Mas, em última instância, essas tendências provavelmente não moldarão o futuro do mundo.
Os países do Oriente Médio têm sido perdedores na era da globalização, descompassados em uma era de mercados livres, livre comércio e políticas democráticas. O futuro do mundo de modo geral provavelmente será mais moldado pelos vencedores dessa era.
E, se os EUA acreditavam que era difícil lidar com os perdedores, os vencedores apresentam desafios ainda mais espinhosos.
Essa é a implicação do novo e excelente livro do colunista do "New York Times" Thomas L. Friedman, "The World Is Flat: A Brief History of the Twenty-First Century" (O mundo é plano: Uma breve história do século 21).
A metáfora de um mundo plano, usada por Friedman para descrever a próxima fase da globalização, é engenhosa. Ela lhe ocorreu depois de escutar um executivo de software indiano explicar como o campo do jogo econômico mundial está sendo nivelado. Hoje um indivíduo ou uma empresa de qualquer lugar pode colaborar ou competir globalmente.
Bill Gates explica muito bem o significado dessa transformação. Trinta anos atrás, ele disse a Friedman: "Se você tivesse de escolher entre nascer um gênio em Mumbai ou Xangai e uma pessoa mediana em Poughkeepsie [cidade próxima a Nova York], você teria escolhido Poughkeepsie, porque suas probabilidades de ter uma vida próspera e realizada eram muito maiores. Hoje eu preferiria ser um gênio nascido na China do que o sujeito mediano nascido em Poughkeepsie", diz.
O que criou o mundo plano? Friedman salienta as forças tecnológicas. Paradoxalmente, a bolha das pontocom teve papel crucial.
Empresas de telecomunicação realizaram planos incrivelmente ambiciosos de "conectar o mundo", estendendo cabos de fibra óptica pelo fundo dos oceanos. Esse excedente de conectividade significou que os custos das ligações telefônicas, conexões de internet e transmissão de dados caíram drasticamente.
O golpe seguinte foi o estouro das pontocom. A queda da Bolsa levou empresas de toda a parte a cortar gastos. A solução foi terceirizar. No final dos anos 90, muitas grandes empresas americanas estavam reconhecendo que os engenheiros indianos podiam realizar a maior parte dos trabalhos técnicos de que elas precisavam por um décimo do custo.

Forças tecnológicas
Uma boa parte do livro é ocupada por uma discussão dessas forças tecnológicas e a maneira como as empresas reagiram e se adaptaram a elas. Friedman explica a importância do desenvolvimento das "plataformas de fluxo de trabalho", software que possibilitou que os aplicativos de computador se conectassem e funcionassem juntos, o que permitiu a cooperação entre pessoas trabalhando em qualquer lugar.
Friedman tem dom para a reportagem econômica e descobriu histórias divertidas sobre Wal-Mart, UPS, Dell e JetBlue, entre outras, relacionadas a seu tema.
Você sabia que quando pede um hambúrguer em um drive-through do McDonald's a pessoa que recebe o pedido está em um centro de atendimento telefônico a 1.500 quilômetros em Colorado Springs? Então ela envia o pedido para o McDonald's e ele fica pronto alguns minutos depois enquanto você dirige o carro até a janela de entrega.
Ou que quando você liga para a JetBlue para fazer uma reserva está falando com uma dona-de-casa em Utah, que tem esse emprego de meio período?
A China e a Índia ocupam grande parte da história de Friedman porque são os dois grandes países que mais se beneficiam do mundo plano. Para tomar um exemplo, a Wal-Mart em 2004 importou US$ 18 bilhões em produtos de 5.000 fornecedores chineses.
Mas Friedman compreende que a China e a Índia representam não apenas ameaças ao mundo desenvolvido, mas também grandes oportunidades.
Afinal, as mudanças que ele descreve têm o claro efeito de acrescentar centenas de milhões de pessoas -consumidores- à economia mundial. É uma oportunidade sem paralelo para toda empresa e indivíduo.
Friedman sabiamente compreende que não há como conter a onda. Você não pode desligar essas forças, exceto a grande custo para seu bem-estar econômico.
No último século, os países que tentaram preservar seus sistemas, empregos ou tradições, mantendo o resto do mundo do lado de fora, estagnaram. Os que se abriram para o mundo prosperaram. Mas isso não quer dizer que você não possa fazer nada para se preparar para essa competição e esse novo mundo.
As populações dos países avançados têm de encontrar maneiras para subir na cadeia de valores, ter capacidades que criem produtos superiores pelos quais possam cobrar mais.
A história da UPS é um exemplo clássico. Entregar objetos não dá altas margens de lucro, mas consertar computadores (e administrar uma cadeia de fornecimento), sim.
É claro que não será tão fácil, como Friedman sabe. Ele indica a erosão da base científica e tecnológica americana, que foi mascarada nas últimas décadas por outro aspecto da globalização.
Os EUA hoje importam estrangeiros para fazer o trabalho científico que seus cidadãos não querem mais fazer ou nem sabem mais fazer. A maioria das soluções de Friedman para esses problemas é inteligente, formas neoliberais de usar o governo de maneira amigável com o mercado para aumentar a capacidade de o país competir.

Infância
Há dificuldades com o livro. O processo de aplanamento que ele descreve está em sua infância. A Índia ainda é um país pobre do Terceiro Mundo, mas se você ler o livro vai pensar que está à beira de se tornar uma superstar global.
Ao explicar essa visão e esse novo mundo, Friedman às vezes soa como um determinista tecnológico. E embora reconheça fatores políticos, eles ganham pouco espaço no livro, o que dá uma sensação um pouco tendenciosa.
Eu argumentaria que uma das forças básicas que movem o mundo plano é na verdade as mudanças de atitude e política dos governos do mundo todo. Essa mudança, mais que qualquer outra, liberou a energia do setor privado.
Nos EUA e na Europa, as políticas de desregulamentação incentivaram a concorrência que levou à inovação radical.
O principal fator político, é claro, é a estrutura da política global. Os EUA dominam o mundo como nenhum outro país desde a Roma antiga. Mas a conseqüência dessas políticas será criar um mundo quase igualitário, econômica e politicamente.

Voz do Brasil
Se a China crescer economicamente, em algum momento também vai adquirir ambições políticas. Se o Brasil continuar crescendo, vai querer ter uma voz maior no cenário internacional.
Friedman nos diz que a relação econômica entre os países será um poderoso dissuasor contra a guerra, o que é verdade se agirem de maneira sensata. Mas, como vimos nos últimos três anos, o orgulho, a honra e a raiva têm grande participação na política global. O desafio máximo para os EUA -e para os americanos- é se estamos preparados para esse mundo plano, econômico e político.
Enquanto as hierarquias são erodidas e os campos de jogo nivelados conforme outros países e populações crescem em importância e ambição, estamos nos conduzindo de uma maneira que terá êxito nessa nova atmosfera?
Ou será que afinal, enquanto globalizavam o mundo, os EUA esqueceram de se globalizar?


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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