São Paulo, quinta-feira, 07 de maio de 2009

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Faca de dois legumes


Não convém aceitar a diluição do G20. Se entrarem a Espanha e a Holanda, por que não a Suécia e a Bélgica?

POSSO FALAR de G20 e FMI outra vez? Não quero cansar o leitor. Bem sei que esses temas nem sempre fazem sucesso aí no Brasil. Mas, como questões fundamentais estão sendo decididas no G20 e no FMI, tomo a liberdade de voltar ao assunto.
Duas reuniões recentes definiram as linhas gerais da agenda econômica internacional: a dos líderes do G20 em Londres, no dia 2 de abril, e a do Comitê Monetário e Financeiro Internacional do FMI, em Washington, no dia 25. Esse comitê (mais conhecido por sua sigla em inglês, IMFC) é composto por 24 dos 185 governadores do Fundo; a sua composição corresponde às 24 cadeiras da diretoria da instituição. O IMFC define a agenda de trabalho do FMI.
O G20 e o IMFC têm a vantagem de funcionarem na base do consenso -um modelo de decisão mais democrático do que o sistema de votos ponderados que vigora nas diretorias do Banco Mundial e do FMI. O produto mais importante dessas reuniões são os comunicados que expressam os consensos a que chegaram os representantes dos países.
Porém há problemas de governança no G20 e no IMFC que têm prejudicado o seu funcionamento e podem criar dificuldades para os países em desenvolvimento. O IMFC e o G20 são "facas de dois legumes", como diria Vicente Matheus, lendário presidente do Corinthians.
Até agora temos nos saído razoavelmente bem. Um dos principais instrumentos de execução das decisões do G20 é o FMI. Por enquanto, a quantidade de "bolas quadradas" que recebemos do G20 e do IMFC é administrável. O progresso foi limitado em algumas questões do nosso interesse (democratização do FMI, por exemplo), mas a maior parte das decisões tomadas nas reuniões de Londres e Washington favorece os países em desenvolvimento.
Ainda assim, precisamos tomar cuidado. Os países desenvolvidos, mais poderosos, mais organizados, com burocracias mais estruturadas, recorrem a diversos artifícios para controlar mecanismos de consenso como o G20 e o IMFC e colocá-los a serviço das suas agendas nacionais.
Por exemplo, as minutas dos comunicados são apresentadas com pouca antecedência, dificultando a preparação dos países. Adota-se também a prática de manter os líderes e os ministros relativamente isolados, dificultando o acesso das equipes técnicas às reuniões em que são finalizados os comunicados. Não é incomum que surjam propostas de última hora, o que às vezes leva os governantes a tomar decisões apressadas sobre questões que não foram objeto de discussões preparatórias.
Outro problema -este específico do G20- é a tentativa de ampliar o grupo, promovendo a inclusão de países não membros numa base caso a caso. Os mais insistentes são os europeus. Tem cabimento aceitar mais europeus no G20? A Europa está super-representada em muitos foros internacionais (no IMFC e nas diretorias do FMI e do Banco Mundial, por exemplo). Os quatro grandes europeus já estão no G20 e, além disso, a União Europeia tem um cadeira própria.
Não convém aceitar a diluição do G20. Se entrarem a Espanha e a Holanda, por que não a Suécia e a Bélgica? Se entrar o Egito, por que não o Paquistão? Se entrar o Paquistão, por que não a Malásia? Por esse caminho, o G20 será rapidamente transformado em uma mini-ONU, totalmente ineficaz como mecanismo decisório.
Países como o Brasil têm interesse em consolidar o G20, impedindo a sua ampliação desordenada e atuando de maneira a corrigir os seus problemas de governança.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net


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