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OPINIÃO ECONÔMICA
Armadilhas fiscais
MAILSON DA NÓBREGA
Poucos temas permanecem
tão esotéricos no Brasil como a
questão fiscal, a qual, por isso, se
presta a análises superficiais e a
conclusões simplistas.
Analistas não-iniciados costumam basear-se em lições de livros-texto e cometem erros.
Afirmam, por exemplo, que a
desvalorização reduzirá o déficit público porque o aumento da
atividade econômica ampliará
a arrecadação de receitas.
No Brasil, entretanto, o aumento da receita incrementa
também a despesa, pois sua
maior parte é transferida a Estados e municípios ou vinculada
a gastos predeterminados.
Críticos da política cambial
anterior caíram em outra armadilha. Com base em exame perfunctório das estatísticas do setor público, afirmaram que ela
quintuplicou a dívida e recriou
o déficit. Apresentaram argumentos fraquíssimos para comprovar a tese.
O analista desavisado que
olhar o custo dos juros nominais
em 1998, de 8,03% do PIB, pode
dizer que eles são os responsáveis pelo déficit público nominal, que atingiu, no mesmo ano,
8,02% do PIB.
Será da mesma forma induzido a erro se comparar a situação
atual com a de 1994, como muitos o fazem. Ao ver que havia superávit operacional de 1,37% do
PIB naquele ano, dirá que o Plano Real e sua política cambial
transformaram o superávit em
déficit.
Nesse diapasão, culpará também a política cambial pelo aumento da dívida líquida, que
era de 29,2% do PIB em 1994 e
subiu para 42,6% do PIB em
1998.
O correto, todavia, é comparar
qualquer ano com 1988, quando
entrou em vigor nossa desastrada Constituição. Naquele ano, o
déficit operacional era de 5,12%
do PIB, os juros reais, de 6,13%
do PIB, e a dívida líquida, de
55,2% do PIB.
Por que o déficit público de
1988 virou superávit em 1994?
Por que a dívida caiu quase à
metade, apesar de a Constituição ter contribuído para aumentar gastos e juros? Como explicar esses resultados se não
houve nenhum ajuste fiscal duradouro no período?
Três fatores explicam esse aparente mistério: a inflação, o aumento da carga tributária e o
manejo da correção monetária
nos planos de estabilização.
A inflação permitia cortar gastos reais pelo mero adiamento
dos desembolsos das dotações
orçamentárias.
Nos tributos, sem margem para cortar despesas, o governo
precisava arrecadar mais para
cobrir gastos obrigatórios. A
carga passou de 20% do PIB em
1988 para algo como 32% do PIB
este ano.
O déficit e a dívida reais despencavam com o manejo da correção monetária (os vetores).
Quanto maior a inflação pré-plano, maior era a garfada. O
Plano Collor trouxe ainda o
confisco explícito de riqueza financeira e o sequestro de ativos
financeiros.
Por isso, os resultados de 1990
foram espetaculares. A dívida
pública caiu de 51,9% do PIB
para 36,6% do PIB em apenas
um ano. No conceito operacional, o déficit de 1,43% do PIB
passou a superávit de 7,37% do
PIB.
O Plano Real praticamente extinguiu todos esses artifícios.
Acabou com a superinflação, diminuiu o espaço para ampliar a
carga tributária e fechou a porta
para a manipulação da correção
monetária.
Ao mesmo tempo, a estabilidade fez aparecer despesas que
permaneciam encobertas pelo
espesso véu da superinflação.
Surgiram os "esqueletos", isto é,
gastos, subsídios e dívidas não
contabilizados.
Os "esqueletos" passaram a ser
registrados em 1996. Até 1998,
eles explicam 22% do crescimento da dívida líquida total.
No governo federal, os "esqueletos" representam 28,4% da expansão da dívida.
Assim, a partir de 1994, o déficit e a dívida adquiriram a trajetória explosiva que deveria ter
ocorrido depois da Constituição. Os juros, em grande parte
reflexo da dívida, eram de 6,13%
do PIB em 1988, apenas 1,9% do
PIB menor do que o seu valor em
1998.
Os juros do período do Plano
Real contribuíram para o aumento da dívida, mas longe do
desastre que se diz por aí. Tinham muito mais a ver com outros fatores do que com o objetivo de sustentar a política cambial.
Sem conseguir analisar adequadamente o complexo campo
das finanças públicas brasileiras, os críticos mais empedernidos e desavisados da política
cambial dizem que ela trouxe
apenas males, o que é um exagero, para dizer o mínimo.
A situação fiscal é mais grave
do que aparenta. É uma pena
que o espaço para debatê-la seja
ocupado por críticas ligeiras,
que turvam o ambiente e, de
tanto repetidas sem contestação
oficial, terminam virando verdade.
Mailson da Nóbrega, 56, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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