São Paulo, sexta-feira, 07 de junho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Entenda essa nova crise financeira

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Cheguei de uma curta viagem ao exterior com mais uma crise financeira da era do malanismo. Algumas das características desse novo período de instabilidade: a cotação do dólar, depois de uma consistente estabilidade em baixa, tem subido de forma quase monotônica; o chamado risco Brasil voltou ao nível explosivo dos 12% ao ano; e o Banco Central está reduzindo, sem honra, os prazos dos títulos públicos colocados aos investidores durante os últimos meses. "Last but not least", por incrível que pareça, depois de mais de dez anos, fala-se novamente na possibilidade de problemas na rolagem da dívida pública interna!
Encontrei entre participantes do mercado, cidadãos comuns de minha relação e a imprensa de maneira geral uma grande perplexidade em relação a essa nova instabilidade financeira. Culpa do Lula e do PT, barbeiragem do Banco Central e especulação externa são algumas das causas que permeiam as discussões sobre esses fatos. Mas que o ambiente econômico mudou radicalmente na minha ausência mudou.
Há um cheiro de medo real no ar, apesar de fatos positivos terem ocorrido nesse período. A brincadeira liderada pelo PFL com a CPMF terminou, os preços do petróleo caíram bastante nos mercados internacionais e a inflação está voltando a níveis mais satisfatórios. No cenário eleitoral vai ficando claro que a polarização Lula e Serra está quase consolidada, afastando de vez o fantasma Garotinho no segundo turno. "Por que então essa nova crise?", devem estar se perguntando os meus leitores da Folha.
Em duas colunas recentes tinha me referido à formação de um ciclo de instabilidade, a que chamei de ciclo do diabo, em razão do crescimento da candidatura Lula. Chamava a atenção para os riscos que uma vitória do PT nas eleições de outubro e novembro próximos apresentava para nossa economia. Dizia que, apesar dos macrofundamentos nos campos monetário e fiscal serem hoje de boa qualidade, dois problemas ainda remanescem como focos de instabilidade em momentos de risco político percebido pelos mercados: a questão de nossa fragilidade externa e a rolagem de uma dívida mobiliária interna elevada e de prazos curtos.
Em momentos de confiança na política econômica oficial, como os que temos vivido nos últimos anos, essa fragilidade financeira fica minimizada e aparece um certo espaço de normalidade para que a economia real funcione com alguma eficiência. Foi por essa razão que sobrevivemos à crise da Argentina no início do ano passado e, depois, descolamos do naufrágio de nosso vizinho a partir do último trimestre de 2001.
Mas, com o fortalecimento da candidatura de Lula a partir de abril deste ano, o fantasma financeiro voltou com força total. Em um primeiro momento, esse fenômeno foi percebido por poucos. A grande maioria dos investidores e instituições financeiras acreditou nas análises políticas de uns poucos formadores de opinião nessa área, que davam como certa a vitória do candidato do governo nas eleições presidenciais. O crescimento do senador José Serra nas primeiras pesquisas e a imagem renovada do PT nos programas de Duda Mendonça deram ao mercado a falsa impressão de que não havia o risco de uma ruptura na condução da política econômica. Os mercados valorizaram os ativos brasileiros, e o nosso ministro da Fazenda devolveu antecipadamente ao FMI R$ 4 bilhões de nossas reservas. Tudo parecia um céu de brigadeiro!
A situação começou a mudar no início de maio, quando alguns "players" importantes, principalmente no exterior, começaram a ficar nervosos com a situação eleitoral. Bastou o Copom não reduzir os juros em sua última reunião, alegando riscos futuros, para que tudo mudasse. Se os sábios de nossa autoridade monetária estavam preocupados, era hora de mudar do otimismo para uma situação mais defensiva. Isso começou a ser feito com certa classe, mas logo se transformou em uma corrida maluca.
À medida que o PT não foi capaz de passar das intenções de disciplina macroeconômica para propostas concretas, o mau humor em relação a um eventual governo Lula foi substituído por ações defensivas. Um fator importante nesse movimento foi a declaração do deputado Aloizio Mercadante, durante um jantar com membros da comunidade financeira, de que em termos econômicos quem falava pelo PT eram ele e a professora Maria da Conceição Tavares, e não o economista Guido Mantega. Em outras palavras, a PUC do Rio seria substituída pela Unicamp como centro do pensamento econômico oficial.
No jornal "Valor" de ontem, o economista Ricardo Carneiro explicitou pela primeira vez o que realmente pensa o PT sobre a administração de nossa economia. Um verdadeiro desastre que talvez o nosso querido Duda Mendonça vá levar alguns dias para entender. O mercado, entretanto, precisou apenas de alguns segundos! Os erros do Banco Central dos últimos dias são irrelevantes perto dos estragos provocados pelos conceitos explicitados por Carneiro. Uma volta triunfal aos tempos de Dilson Funaro no Ministério da Fazenda e de João Sayad no Ministério do Planejamento do governo José Sarney foi a leitura de todos.
Está aí, meu amigo da Folha, a verdadeira causa dos tempos difíceis que vamos viver nos próximos dias!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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