São Paulo, domingo, 07 de junho de 2009

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Abrindo portas

Com sacrifício, executivos rompem preconceito, saem do armário e conquistam espaço no mercado de trabalho

JULIO WIZIACK
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando começou sua carreira na Caixa Econômica Federal, há oito anos, a publicitária Mariana Tavares, 31, não tinha se assumido como lésbica no departamento de marketing, onde atuava como analista.
Acabou suportando piadas preconceituosas feitas por um colega de repartição.
"Ele vivia repetindo que o banco estava cheio de gay e sapatão se alastrando que nem erva daninha", diz. "Repetia também que isso [a homossexualidade] era uma peste e que tinham de encontrar um pesticida bom. Também falava que o problema das lésbicas era não ter arrumado um homem que desse conta do recado."
Hoje, Mariana é coordenadora de projetos especiais da Caixa, cargo executivo hierarquicamente superior ao do colega. Quando se encontram pelos corredores do banco, ele evita cumprimentá-la.
Servidor do Banco do Brasil há 34 anos, Augusto Andrade, 53, hoje gerente da ouvidoria interna da instituição, diz que, no começo de sua carreira, quase perdeu uma promoção por ser "assumidamente" gay. "O que me salvou foi um "piti" de um dos representantes do banco, que decidia as promoções. Na minha frente, ele disse que os outros não queriam me premiar só porque eu era gay. Acabei conseguindo o cargo."
Desde que optou por ser militante do movimento gay, Andrade diz que não enfrentou mais saias justas no trabalho. "A exposição acabou me protegendo na empresa", diz.
Clovis Casemiro migrou para a área de turismo após ser expulso da escola naval no Rio de Janeiro. "Foi muito difícil para mim e para toda a minha família. Fui trabalhar inicialmente no setor de turismo. Hoje estou em uma companhia que respeita as diferenças", afirma o gerente comercial da TAM.
Há até pouco tempo, as grandes empresas só davam espaço para eles se continuassem onde sempre estiveram: no "armário". Nos últimos cinco anos, com os avanços do movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros), esse grupo começou a romper o silêncio e a lutar contra a discriminação, exigindo direitos iguais no ambiente de trabalho.
"Após ser transferido de Brasília para São Paulo, decidi levar meu companheiro comigo e incluí-lo no plano de saúde. Para isso, tive de me assumir para a companhia", diz Rodrigo Barbosa, 32, executivo de projetos da IBM. "Antes, ficava no armário com medo de ser discriminado ou não ser promovido." Otávio Diógenes, 28, companheiro de Rodrigo há oito anos, também trabalha na IBM.

Reclamações
As conquistas, como planos médicos e odontológicos empresariais extensivos a seus companheiros, cresceram na mesma proporção das reclamações a órgãos públicos.
Desde que o governo federal implementou o programa "Brasil sem Homofobia", em 2004, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) passou a receber mais reclamações sobre discriminação nas empresas.
Em sete Estados, procuradores do Ministério Público do Trabalho investigam dez casos de discriminação por orientação sexual. Ao Ministério do Trabalho em São Paulo chegam, por mês, 30 denúncias de discriminação. Ao menos uma refere-se a gays discriminados.
São executivos, lixeiros, enfermeiros e servidores que foram alvo de brincadeiras de mau gosto, xingamentos e constrangimentos -como ser convidado a usar o banheiro feminino ou ser barrado no serviço por questões estéticas. Caso de um vendedor em São Paulo que não pôde trabalhar por estar com as unhas pintadas.
"A dificuldade em provar as denúncias, aliada ao temor de expor socialmente a vida privada e ao preconceito que está enraizado em toda a sociedade, contribui para inibir as denúncias", diz Otávio Brito, procurador-geral do Trabalho.
Na Justiça não há estatísticas que mostrem se as ações de gays que buscam reparar o assédio moral no trabalho estão aumentando. O assédio acontece quando uma pessoa é submetida a situações constrangedoras ou humilhantes, de forma frequente e intencional com o objetivo de atingir a honra e a dignidade do trabalhador.
Duas decisões recentes do TST (Tribunal Superior do Trabalho) mostram que o Judiciário tem punido, com indenizações que variam de R$ 5.000 a R$ 1 milhão, empresas em que o assédio pode ser comprovado.
O Bradesco foi condenado a pagar indenização que pode ultrapassar R$ 1 milhão ao ex-gerente Antônio Ferreira dos Santos, 47, por assédio moral e discriminação sexual em sua demissão por justa causa. O banco vai recorrer.
"Só pude comprovar a humilhação e o constrangimento que um gerente regional me fez passar, na presença de colegas de trabalho, porque tive ajuda de testemunhas. Ele dizia que o Bradesco era um lugar para homens, não para bichas e veados. Também falava para eu parar com a "veadagem" em outras situações", diz Santos.
Há três semanas, o TST manteve uma decisão da Justiça trabalhista de Sergipe, que condenou a BCP (hoje Claro) a indenizar em R$ 5.000 o atendente C.C.P. por ele ter recebido um uniforme feminino de uma encarregada de uma loja da operadora para trabalhar.
A Claro informa que foi ele quem optou por usar um uniforme feminino, de tamanho pequeno, porque havia pouca diferença com o masculino (recebido nos tamanhos médio e grande). A empresa afirma ainda que a demissão não ocorreu por esse motivo e que não aceita nenhuma discriminação.
"A empresa foi condenada por imprudência ao fornecer um uniforme -uma camisa com corte feminino. Nesse caso, o assédio ocorreu por ter causado constrangimento", afirma o ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, do TST.



RODRIGO BARBOSA, 32
Executivo de projetos da IBM, ele saiu do armário em 2003, ao ser transferido de Brasília para ser executivo em São Paulo. "Não podia deixar meu companheiro para trás", diz. Por isso, procurou a companhia e abriu o jogo. "Gosto de servir de exemplo. Há gays em todas as empresas, e, quando um executivo de alto escalão se assume, acaba ajudando os gays abaixo na hierarquia."

MARIANA TAVARES, 31
A coordenadora de projetos especiais da CEF saiu do armário durante uma greve em 2005, ao enviar um e-mail aos colegas em que reclamava por aumento salarial e igualdade entre gays e heterossexuais. A mensagem parou na direção do banco. Após quatro dias, a instituição estendeu os benefícios aos dependentes de funcionários de mesmo sexo e proibiu a discriminação no trabalho.

AUGUSTO ANDRADE, 53
Gerente da ouvidoria interna do Banco do Brasil, ele foi o primeiro funcionário a se valer de brechas administrativas para incluir seu companheiro no plano de saúde da instituição. Depois, forçou a entrada dele como seu beneficiário na Previ, o fundo de pensão dos funcionários. "A exposição acabou me protegendo na empresa", diz. "No começo, quase perdi uma promoção por ser gay."

FRANCISCO LIMA, 45
Responsável pela logística da CEF, "Kiko", como é conhecido, lidera nove regionais do banco no país. Há 20 anos na Caixa, ele comanda um time que conta, em sua maioria, com homens e diz nunca ter sofrido discriminação dos colegas. Essa integração aumentou em 2005, com o programa de diversidade sexual da instituição. "Ganhei segurança e mais comprometimento com a CEF."

ANTÔNIO F. DOS SANTOS, 47
Após ser demitido por justa causa, o ex-gerente-geral do Bradesco e hoje corretor abriu uma ação por assédio moral e discriminação sexual. "Fui humilhado, passei por depressão após ver que minha carreira tinha sido manchada." A Justiça do Trabalho condenou o Bradesco a pagar uma indenização que pode ultrapassar R$ 1 milhão. O banco vai recorrer e não quis comentar o caso.


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