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Abrindo portas
Com sacrifício, executivos rompem preconceito, saem do armário e conquistam espaço no mercado de trabalho
JULIO WIZIACK
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando começou sua carreira na Caixa Econômica Federal, há oito anos, a publicitária
Mariana Tavares, 31, não tinha
se assumido como lésbica no
departamento de marketing,
onde atuava como analista.
Acabou suportando piadas preconceituosas feitas por um colega de repartição.
"Ele vivia repetindo que o
banco estava cheio de gay e sapatão se alastrando que nem
erva daninha", diz. "Repetia
também que isso [a homossexualidade] era uma peste e que
tinham de encontrar um pesticida bom. Também falava que o
problema das lésbicas era não
ter arrumado um homem que
desse conta do recado."
Hoje, Mariana é coordenadora de projetos especiais da Caixa, cargo executivo hierarquicamente superior ao do colega.
Quando se encontram pelos
corredores do banco, ele evita
cumprimentá-la.
Servidor do Banco do Brasil
há 34 anos, Augusto Andrade,
53, hoje gerente da ouvidoria
interna da instituição, diz que,
no começo de sua carreira, quase perdeu uma promoção por
ser "assumidamente" gay. "O
que me salvou foi um "piti" de
um dos representantes do banco, que decidia as promoções.
Na minha frente, ele disse que
os outros não queriam me premiar só porque eu era gay. Acabei conseguindo o cargo."
Desde que optou por ser militante do movimento gay, Andrade diz que não enfrentou
mais saias justas no trabalho.
"A exposição acabou me protegendo na empresa", diz.
Clovis Casemiro migrou para
a área de turismo após ser expulso da escola naval no Rio de
Janeiro. "Foi muito difícil para
mim e para toda a minha família. Fui trabalhar inicialmente
no setor de turismo. Hoje estou
em uma companhia que respeita as diferenças", afirma o gerente comercial da TAM.
Há até pouco tempo, as grandes empresas só davam espaço
para eles se continuassem onde
sempre estiveram: no "armário". Nos últimos cinco anos,
com os avanços do movimento
LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros),
esse grupo começou a romper o
silêncio e a lutar contra a discriminação, exigindo direitos
iguais no ambiente de trabalho.
"Após ser transferido de Brasília para São Paulo, decidi levar meu companheiro comigo e
incluí-lo no plano de saúde. Para isso, tive de me assumir para
a companhia", diz Rodrigo Barbosa, 32, executivo de projetos
da IBM. "Antes, ficava no armário com medo de ser discriminado ou não ser promovido."
Otávio Diógenes, 28, companheiro de Rodrigo há oito anos,
também trabalha na IBM.
Reclamações
As conquistas, como planos
médicos e odontológicos empresariais extensivos a seus
companheiros, cresceram na
mesma proporção das reclamações a órgãos públicos.
Desde que o governo federal
implementou o programa
"Brasil sem Homofobia", em
2004, o Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE) passou a receber mais reclamações sobre
discriminação nas empresas.
Em sete Estados, procuradores do Ministério Público do
Trabalho investigam dez casos
de discriminação por orientação sexual. Ao Ministério do
Trabalho em São Paulo chegam, por mês, 30 denúncias de
discriminação. Ao menos uma
refere-se a gays discriminados.
São executivos, lixeiros, enfermeiros e servidores que foram alvo de brincadeiras de
mau gosto, xingamentos e
constrangimentos -como ser
convidado a usar o banheiro feminino ou ser barrado no serviço por questões estéticas. Caso
de um vendedor em São Paulo
que não pôde trabalhar por estar com as unhas pintadas.
"A dificuldade em provar as
denúncias, aliada ao temor de
expor socialmente a vida privada e ao preconceito que está
enraizado em toda a sociedade,
contribui para inibir as denúncias", diz Otávio Brito, procurador-geral do Trabalho.
Na Justiça não há estatísticas
que mostrem se as ações de
gays que buscam reparar o assédio moral no trabalho estão
aumentando. O assédio acontece quando uma pessoa é submetida a situações constrangedoras ou humilhantes, de forma frequente e intencional
com o objetivo de atingir a honra e a dignidade do trabalhador.
Duas decisões recentes do
TST (Tribunal Superior do Trabalho) mostram que o Judiciário tem punido, com indenizações que variam de R$ 5.000 a
R$ 1 milhão, empresas em que o
assédio pode ser comprovado.
O Bradesco foi condenado a
pagar indenização que pode ultrapassar R$ 1 milhão ao ex-gerente Antônio Ferreira dos
Santos, 47, por assédio moral e
discriminação sexual em sua
demissão por justa causa. O
banco vai recorrer.
"Só pude comprovar a humilhação e o constrangimento
que um gerente regional me fez
passar, na presença de colegas
de trabalho, porque tive ajuda
de testemunhas. Ele dizia que o
Bradesco era um lugar para homens, não para bichas e veados.
Também falava para eu parar
com a "veadagem" em outras situações", diz Santos.
Há três semanas, o TST manteve uma decisão da Justiça
trabalhista de Sergipe, que condenou a BCP (hoje Claro) a indenizar em R$ 5.000 o atendente C.C.P. por ele ter recebido um uniforme feminino de
uma encarregada de uma loja
da operadora para trabalhar.
A Claro informa que foi ele
quem optou por usar um uniforme feminino, de tamanho
pequeno, porque havia pouca
diferença com o masculino (recebido nos tamanhos médio e
grande). A empresa afirma ainda que a demissão não ocorreu
por esse motivo e que não aceita nenhuma discriminação.
"A empresa foi condenada
por imprudência ao fornecer
um uniforme -uma camisa
com corte feminino. Nesse caso, o assédio ocorreu por ter
causado constrangimento",
afirma o ministro Ives Gandra
da Silva Martins Filho, do TST.
RODRIGO BARBOSA, 32
Executivo de projetos da
IBM, ele saiu do armário em
2003, ao ser transferido de Brasília para ser executivo em São
Paulo. "Não podia deixar meu
companheiro para trás", diz.
Por isso, procurou a companhia
e abriu o jogo. "Gosto de servir
de exemplo. Há gays em todas
as empresas, e, quando um executivo de alto escalão se assume, acaba ajudando os gays
abaixo na hierarquia."
MARIANA TAVARES, 31
A coordenadora de projetos
especiais da CEF saiu do armário durante uma greve em
2005, ao enviar um e-mail aos
colegas em que reclamava por
aumento salarial e igualdade
entre gays e heterossexuais. A
mensagem parou na direção do
banco. Após quatro dias, a instituição estendeu os benefícios
aos dependentes de funcionários de mesmo sexo e proibiu a
discriminação no trabalho.
AUGUSTO ANDRADE, 53
Gerente da ouvidoria interna
do Banco do Brasil, ele foi o primeiro funcionário a se valer de
brechas administrativas para
incluir seu companheiro no
plano de saúde da instituição.
Depois, forçou a entrada dele
como seu beneficiário na Previ,
o fundo de pensão dos funcionários. "A exposição acabou me
protegendo na empresa", diz.
"No começo, quase perdi uma
promoção por ser gay."
FRANCISCO LIMA, 45
Responsável pela logística da
CEF, "Kiko", como é conhecido, lidera nove regionais do
banco no país. Há 20 anos na
Caixa, ele comanda um time
que conta, em sua maioria, com
homens e diz nunca ter sofrido
discriminação dos colegas. Essa integração aumentou em
2005, com o programa de diversidade sexual da instituição.
"Ganhei segurança e mais comprometimento com a CEF."
ANTÔNIO F. DOS SANTOS, 47
Após ser demitido por justa
causa, o ex-gerente-geral do
Bradesco e hoje corretor abriu
uma ação por assédio moral e
discriminação sexual. "Fui humilhado, passei por depressão
após ver que minha carreira tinha sido manchada." A Justiça
do Trabalho condenou o Bradesco a pagar uma indenização
que pode ultrapassar R$ 1 milhão. O banco vai recorrer e não
quis comentar o caso.
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