São Paulo, Quarta-feira, 07 de Julho de 1999
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LUÍS NASSIF

O caso Brahma-Antarctica

A fusão da Brahma e da Antarctica é capítulo dos mais relevantes no moderno capitalismo brasileiro. Permite a criação da primeira multinacional brasileira com fôlego para competir internacionalmente.
Dispor de grandes multinacionais de capital nacional é trunfo dos mais relevantes na luta da globalização, como atestam os grandes especialistas contemporâneos, como Michael Porter. Primeiro, por permitir ao país capacidade de inovação, em geral disponível nas matrizes das multinacionais, que poderá se estender à cadeia produtiva, como fabricantes de máquinas para as fábricas, fabricantes de latas e de vidros, pesquisa agrícola etc. Depois, porque grandes multinacionais são extensão da diplomacia comercial de seus respectivos países, facilitando ofensivas comerciais, acordos de cooperação etc.
Por isso mesmo, não há motivo para estranhamento pelo fato de a fusão ter sido anunciada na presença do presidente da República. Em uma economia globalizada, o presidente tem que ser agente ativo das ações estratégicas da economia de seu país, algo que definitivamente ainda não entrou na agenda de FHC. Prova disso é que a recente vitória da Embraer em uma megalicitação internacional deveu-se muito mais à operação realizada pessoalmente pelo governador paulista, Mário Covas, e por José Aníbal, seu secretário de Ciência e Tecnologia, do que a qualquer movimentação no plano federal.
Em termos da competitividade sistêmica brasileira, a fusão também trará ganhos expressivos. Além dos ganhos de escala decorrentes da fusão, haverá a transferência de competências recíprocas.

Mercado interno
Os problemas residem no mercado interno, em até que ponto essa fusão poderá comprometer a competição interna.
Nos últimos anos, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pautou sua atuação por princípios semelhantes aos que regem a matéria nos Estados Unidos. Lá, se aceitam fusões e ganhos de escala. O foco central da análise, no entanto, não é a concorrência em si, mas a situação do consumidor. Se determinada ação prejudicar a concorrência, mas beneficiar o consumidor, será aprovada. Essa mudança de orientação ocorreu depois que se constatou que a tese do abuso econômico estava sendo invocada por alguns setores, especialmente agrícolas, para perpetuar sua ineficiência, em nome da proteção ao pequeno e em detrimento do consumidor.
Mas, ao mesmo tempo, os órgãos de defesa econômica têm que dispor de visão prospectiva. Num primeiro momento, determinadas fusões podem ser vantajosas para os consumidores. Mas, alijados os concorrentes menos eficientes, pode-se abrir possibilidade de futuros abusos de poder por parte do líder do mercado. Dependendo do caso, mesmo uma competição menos eficiente é fator de contenção de abusos.
No caso da fusão Brahma-Antarctica, a ameaça maior decorre da prática internacional das vendas casadas. Para levar guaraná, tem que levar cerveja e assim por diante. Esse tema também foi objeto de árdua discussão nos Estados Unidos, com a escola de Chicago teimando em não reconhecer nessa prática possibilidades de abuso de poder econômico. Não conheço as características do mercado americano, mas no Brasil inegavelmente é fator de risco, não apenas nas vendas a bares e restaurantes, mas também a supermercados.
Além disso, as políticas de desconto praticadas nos últimos anos em grande parte decorriam da rivalidade entre as duas ex-adversárias. Pode-se dar adeus a essas disputas.
Provavelmente devido a essa situação, muito dificilmente o Cade não imporá regras para a atuação das companhias no mercado interno. Em casos recentes, como a venda da Kolynos, apresentou votos bastante inovadores, reconhecendo a necessidade da competitividade internacional da companhia, mas resguardando o mercado interno de excesso de concentração.
Será medida simples impedir a unificação das operações comerciais internas de ambas as companhias. Será mais complexo prevenir acordos comerciais não explícitos. Por tudo isso, é um caso exemplar para o futuro do capitalismo brasileiro.

E-mail: lnassif@uol.com.br


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