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LUÍS NASSIF
O caso Brahma-Antarctica
A fusão da Brahma e da Antarctica é capítulo dos mais relevantes no moderno capitalismo
brasileiro. Permite a criação da
primeira multinacional brasileira com fôlego para competir
internacionalmente.
Dispor de grandes multinacionais de capital nacional é
trunfo dos mais relevantes na
luta da globalização, como atestam os grandes especialistas
contemporâneos, como Michael
Porter. Primeiro, por permitir
ao país capacidade de inovação, em geral disponível nas
matrizes das multinacionais,
que poderá se estender à cadeia
produtiva, como fabricantes de
máquinas para as fábricas, fabricantes de latas e de vidros,
pesquisa agrícola etc. Depois,
porque grandes multinacionais
são extensão da diplomacia comercial de seus respectivos países, facilitando ofensivas comerciais, acordos de cooperação etc.
Por isso mesmo, não há motivo para estranhamento pelo fato de a fusão ter sido anunciada
na presença do presidente da
República. Em uma economia
globalizada, o presidente tem
que ser agente ativo das ações
estratégicas da economia de seu
país, algo que definitivamente
ainda não entrou na agenda de
FHC. Prova disso é que a recente vitória da Embraer em uma
megalicitação internacional deveu-se muito mais à operação
realizada pessoalmente pelo governador paulista, Mário Covas, e por José Aníbal, seu secretário de Ciência e Tecnologia,
do que a qualquer movimentação no plano federal.
Em termos da competitividade sistêmica brasileira, a fusão
também trará ganhos expressivos. Além dos ganhos de escala
decorrentes da fusão, haverá a
transferência de competências
recíprocas.
Mercado interno
Os problemas residem no
mercado interno, em até que
ponto essa fusão poderá comprometer a competição interna.
Nos últimos anos, o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pautou sua
atuação por princípios semelhantes aos que regem a matéria nos Estados Unidos. Lá, se
aceitam fusões e ganhos de escala. O foco central da análise,
no entanto, não é a concorrência em si, mas a situação do
consumidor. Se determinada
ação prejudicar a concorrência,
mas beneficiar o consumidor,
será aprovada. Essa mudança
de orientação ocorreu depois
que se constatou que a tese do
abuso econômico estava sendo
invocada por alguns setores, especialmente agrícolas, para
perpetuar sua ineficiência, em
nome da proteção ao pequeno e
em detrimento do consumidor.
Mas, ao mesmo tempo, os órgãos de defesa econômica têm
que dispor de visão prospectiva.
Num primeiro momento, determinadas fusões podem ser vantajosas para os consumidores.
Mas, alijados os concorrentes
menos eficientes, pode-se abrir
possibilidade de futuros abusos
de poder por parte do líder do
mercado. Dependendo do caso,
mesmo uma competição menos
eficiente é fator de contenção de
abusos.
No caso da fusão Brahma-Antarctica, a ameaça maior decorre da prática internacional
das vendas casadas. Para levar
guaraná, tem que levar cerveja
e assim por diante. Esse tema
também foi objeto de árdua
discussão nos Estados Unidos,
com a escola de Chicago teimando em não reconhecer nessa prática possibilidades de
abuso de poder econômico. Não
conheço as características do
mercado americano, mas no
Brasil inegavelmente é fator de
risco, não apenas nas vendas a
bares e restaurantes, mas também a supermercados.
Além disso, as políticas de
desconto praticadas nos últimos anos em grande parte decorriam da rivalidade entre as
duas ex-adversárias. Pode-se
dar adeus a essas disputas.
Provavelmente devido a essa
situação, muito dificilmente o
Cade não imporá regras para a
atuação das companhias no
mercado interno. Em casos recentes, como a venda da Kolynos, apresentou votos bastante
inovadores, reconhecendo a necessidade da competitividade
internacional da companhia,
mas resguardando o mercado
interno de excesso de concentração.
Será medida simples impedir
a unificação das operações comerciais internas de ambas as
companhias. Será mais complexo prevenir acordos comerciais
não explícitos. Por tudo isso, é
um caso exemplar para o futuro do capitalismo brasileiro.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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