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OPINIÃO ECONÔMICA
A Alca no governo Lula
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A política externa tem sido
até agora um dos pontos altos, talvez o mais alto, do governo
Lula. Nesse campo, a nova administração vem implementando
importantes mudanças de orientação. Isso aparece, por exemplo,
na negociação da Alca, sabidamente a mais delicada e perigosa
para o Brasil.
O novo governo herdou uma
agenda ambiciosa de negociação,
que, tendo sido concebida basicamente pelos EUA, incluía os temas de seu interesse (investimentos, serviços, propriedade intelectual e compras governamentais,
por exemplo), ao mesmo tempo
em que deixava de fora questões
de interesse do Brasil e de outros
países latino-americanos (como
agricultura, legislação antidumping e livre circulação de trabalhadores).
O governo Lula resolveu então
não apresentar na Alca ofertas
para as áreas de serviços, investimentos e compras governamentais. A proposta inicial do Mercosul de liberalização do comércio
de bens industriais e agrícolas,
apresentada em fevereiro, foi
muito cautelosa. Os produtos foram distribuídos em quatro prazos para a diminuição tarifária.
Em termos de valor de comércio,
20% foram colocados no grupo
que teria liberalização imediata;
3%, em até cinco anos; 16%, em
até dez anos; e 61%, em mais de
dez anos.
Além disso, a oferta de bens incluiu cláusulas de salvaguarda
para indústrias nascentes e para o
balanço de pagamentos. Ficou
também condicionada à eliminação das barreiras não-tarifárias e
dos subsídios que distorcem o comércio e à negociação de disciplinas que impeçam o uso abusivo
de leis antidumping (ver "Ofertas
Iniciais na Alca",
www2.mre.gov.br/alca/ofertas.htm).
Ao longo do primeiro semestre,
o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, foi substituindo os principais negociadores e
nomeando para os postos-chave
diplomatas identificados com a
nova orientação da política externa. Em contraste com o continuísmo e o imobilismo que prevalecem em outros setores do governo, notadamente na Fazenda
e no Banco Central, o Itamaraty
vem demonstrando que é possível, sim, mesmo em áreas sensíveis, introduzir novas práticas e
prioridades, mais condizentes
com os interesses nacionais.
Agora em julho o ministro
Amorim trouxe a público as linhas mestras do posicionamento
do Brasil na negociação da Alca,
aprovadas pelo presidente da República e que já haviam sido objeto de estreita consulta com os
demais integrantes do Mercosul e
expostas aos EUA e a outros governos de países participantes da
negociação. Esse posicionamento
foi explicado por Amorim em artigos publicados na imprensa ("A
Alca possível", Folha, 8 de julho; e
"Comercio y desarrollo: qué Alca
es posible?", "Clarín", 1º de agosto) e, na última segunda-feira, em
entrevista ao programa "Roda
Viva", da TV Cultura.
O novo enfoque distribui os tópicos da negociação em três "trilhos". No primeiro trilho, na negociação 4 + 1 entre o Mercosul e
os EUA seria tratada a substância
dos temas de acesso a mercados
em bens e, de forma limitada, em
serviços e investimentos. O segundo trilho, a negociação da Alca,
envolvendo 34 países, visaria a
definição de uma espécie de
"acordo quadro", que abordaria
elementos básicos como solução
de controvérsias, tratamento especial para países em desenvolvimento, fundos de compensação,
regras fitossanitárias e facilitação
de comércio. Para um terceiro trilho, a negociação multilateral na
OMC, seriam transferidas questões sensíveis para o Brasil, como
a parte normativa de propriedade intelectual, serviços, investimentos e compras governamentais.
Trata-se de uma manobra engenhosa, que representa uma
mudança significativa na abordagem do problema. Pela primeira vez desde que a Alca foi lançada, em fins de 1994, o Brasil questiona a estrutura da negociação.
Percebe-se sem maior dificuldade
que o novo enfoque implica um
grande esvaziamento da Alca,
uma vez que transfere os assuntos
mais importantes para o primeiro
e o terceiro "trilhos".
Os EUA não devem ter gostado,
evidentemente. Mas ficaram em
posição desconfortável.
Afinal, o posicionamento do
Brasil se apóia em atitudes e precedentes estabelecidos pelo próprio governo dos EUA. Quem
fragmentou a Alca foram os EUA,
ao negociarem acordo bilateral
de livre comércio com o Chile, iniciarem negociações separadas
com os países da América Central
e apresentarem, no âmbito da Alca, propostas diferenciadas de
abertura do seu mercado, reservando tratamento mais desfavorável para os países do Mercosul.
Ao propor a transferência para a
OMC de diversos temas sensíveis
para o Brasil, o governo brasileiro
está apenas seguindo o exemplo
dos EUA, que remetem para o
âmbito multilateral os temas sensíveis para eles, como agricultura
e antidumping.
Na semana passada, a embaixadora americana no Brasil,
Donna Hrinak, afirmou que as
negociações da Alca estão passando por um "período crítico". Indagada sobre a hipótese de uma
"Alca mínima", que excluiria
questões controvertidas, a embaixadora declarou que "é umas das
propostas que vamos considerar".
O enfoque sugerido pelo Brasil
tem chances de prosperar? Creio
que sim. A proposta foi bem pensada e bem apresentada. O resultado vai depender obviamente
das reações dos outros países participantes da negociação da Alca,
especialmente dos EUA.
Outra variável fundamental,
leitor, é a "quinta-coluna", sempre muito ativa no Brasil...
Volto ao assunto em outra
oportunidade.
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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