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ARTIGO
A instabilidade global e suas desastrosas consequências
JOSEPH STIGLITZ
Nosso mundo está tão inclinado à crise financeira
quanto sempre esteve. Com o colapso da Argentina, e com Brasil e
Turquia perto do limite, os últimos meses salientaram nosso fracasso em enfrentar problemas básicos. Mas não são apenas os países em crise que estão desiludidos. Em toda a América Latina,
onde liberalização, privatização e
controle da inflação foram rapidamente efetuados, os países continuam esperando as recompensas prometidas. O crescimento
nos anos 90 foi pouco superior à
metade do de décadas anteriores
à reforma.
É verdade que houve progressos. Por exemplo, o FMI reconsiderou sua posição sobre a liberalização do mercado de capitais.
Também está repensando o uso
de empréstimos de socorro, que
se mostraram amplamente ineficazes, e está falando mais em pobreza que antes. Mas vários problemas fundamentais permanecem.
Primeiro, há uma instabilidade
básica no sistema atual, que se
concentra em países com déficits
comerciais. Por definição, a soma
dos déficits comerciais deve ser
igual aos excedentes. Se alguns
países, como Japão e China, insistem em ter um excedente, no
agregado o resto deve estar em
déficit. Se um país reduz seu déficit, como acontece normalmente
depois de uma crise, ele simplesmente aparece em algum outro
lugar no sistema global. O sistema
talvez tenha se comportado melhor do que se poderia esperar
porque os EUA agiram como déficit de último recurso. Por quanto tempo ainda o país mais rico
poderá continuar emprestando?
Por quanto tempo continuará o
apetite do resto do mundo por títulos e ações dos EUA?
Segundo, é muito difícil para os
pobres suportar os riscos das flutuações das taxas de câmbio e de
juros. As consequências desse desequilíbrio são muitas vezes desastrosas. A dívida que parece
moderada torna-se insuportável
depois de desvalorizações.
Riscos assimétricos
Os mercados deixaram de desenvolver mecanismos adequados para a distribuição dos riscos,
e as instituições econômicas internacionais deveriam pelo menos começar a discutir como assumir esse papel. Diante do grande número de países com dívidas
insustentáveis, existe a necessidade de dar melhores conselhos sobre gerenciamento de riscos. Como cada empréstimo tem um credor e um mutuário, e os credores
supostamente são mais sofisticados no gerenciamento de riscos
que os pobres mutuários, uma
grande parte do problema deve
estar nos credores.
Terceiro, a experiência argentina demonstrou que também falhamos em aprender a administrar crises. Certamente a Argentina tem uma parte da culpa; mas,
mesmo que o país fizesse tudo o
que o FMI recomendou e não
houvesse corrupção, há poucos
motivos para acreditar que a crise
seria evitada ou que a crise teria
sido menos profunda. Suponhamos que a Argentina tivesse sido
"boa" e recebesse empréstimo do
FMI. Os investidores estrangeiros
teriam começado a ingressar num
país ainda em depressão? É muito
pouco provável.
Precisamos de políticas para
reativar a economia real, o que
quer dizer criar mercados para
produtos argentinos e fornecer
crédito a suas empresas. Um estudo do Banco Mundial mostra que
o que impeliu a recuperação mexicana foi o comércio com os
EUA, financiado por importadores americanos, mais que a ajuda
do FMI. A recuperação do Sudeste Asiático foi incentivada pela
iniciativa Miyazawa do Japão, que
forneceu bilhões em crédito comercial. Não tivemos nada parecido para oferecer à Argentina.
Em quarto lugar, os acordos comerciais precisam ser mais justos.
As exportações fornecem renda e
empregos, mas os acordos comerciais têm sido assimétricos: o
Norte não tem feito o suficiente
para abrir seus mercados ao Sul.
O aumento dos subsídios à agricultura nos EUA piorou ainda
mais as coisas. Os ministros das
Finanças deveriam contar com
seus colegas do Comércio para
tornar a rodada de negociações de
Doha realmente uma rodada de
desenvolvimento.
Quinto, o comércio também deveria ser usado como instrumento de estabilidade econômica. No
passado, os países que enfrentavam recessão econômica ou ataque de importações aumentavam
as tarifas para se proteger. Essas
políticas exacerbaram a Grande
Depressão. Uma política comercial positiva de abrir temporariamente os mercados para os países
em crise não seria melhor? Vendas adicionais de vinho, carne e
trigo argentinos ajudariam a ressuscitar a economia do país, mais
que os bilhões de dólares do FMI.
Sexto, o 11 de setembro e a guerra ao terrorismo, mais uma vez,
levantaram a questão da transparência no setor financeiro. Os efeitos enervantes das contas bancárias secretas no mundo em desenvolvimento ainda têm de ser enfrentados. Eles são centrais para
facilitar a corrupção, a evasão fiscal e a lavagem de dinheiro das
drogas, que enfraquecem tantos
países em desenvolvimento.
Finalmente, há discussões sobre
falência de governos e a proposta
do FMI para um mecanismo de
reestruturação de dívidas. Mas
existe uma preocupação sobre o
papel central que o FMI gostaria
de assumir. Pode um único credor exercer um papel central no
processo de falência em vez de um
entre vários credores? Claramente, ele não pode ser o juiz da falência. Numa instituição em que predominam os credores, seria como
delegar a reforma das falências
nos EUA aos bancos. Nenhuma
democracia acharia isso aceitável.
A globalização preocupa as pessoas comuns, não apenas autoridades. No entanto, suas vozes não
estão sendo ouvidas. Repensar a
arquitetura econômica global para garantir que elas sejam ouvidas
é o desafio mais importante que a
comunidade global enfrenta hoje.
Joseph Stiglitz é professor de economia na Universidade Columbia (EUA) e
foi economista-chefe do Banco Mundial.
Tradução de Luiz Roberto Gonçalves
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