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OPINIÃO ECONÔMICA
A competência da Argentina
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Enquanto só ouvimos de
Washington elogios para a
política econômica brasileira, as
críticas ao governo Kirchner não
cessam. Foram fortes durante o
período angustiante da renegociação da dívida e voltaram a
crescer nos últimos tempos. Sugere-se que o governo argentino seria "populista" e "anti-reformista" -duas palavras-chave do vocabulário usado pela ortodoxia
convencional quando quer manifestar sua inconformidade. E, no
entanto, como também acontece
com as economias asiáticas mais
dinâmicas, que também não seguem as diretivas vindas do Norte, a economia argentina vem
apresentando uma extraordinária performance nos últimos três
anos, claramente superior à da
economia brasileira.
É impressionante a recuperação. Ainda que declinante, a taxa
de crescimento do PIB prevista
para este ano é ainda superior a
7%. E a taxa de acumulação de
capital voltou a se aproximar dos
20%. Assim, depois de uma crise
violentíssima, fruto da submissão
do presidente Menem a Washington, mantendo o câmbio fixo e
apreciado e adotando a estratégia
correlata de crescimento com
poupança externa, a economia do
país-irmão volta a crescer.
A recuperação dos quatro anos
de crise explica apenas uma parte
desses bons resultados, que se devem principalmente à firmeza
que o governo argentino demonstrou em renegociar uma dívida
externa que era totalmente impagável (o que não é o caso do Brasil) e a uma política econômica
competente e voltada para o interesse nacional e, por isso mesmo,
resistente aos conselhos e pressões
vindos de Washington.
Os três pilares da política macroeconômica que o ministro Lavagna vem levando adiante são a
firmeza fiscal, expressa em um superávit fiscal de 3,6% do PIB, uma
taxa de juros básica real negativa
(como também hoje acontece com
os países desenvolvidos) e amplos
superávits em conta corrente viabilizados pela manutenção da depreciação de cerca de 100% da taxa de câmbio real efetiva ocorrida
de 2001 para 2002. Observe-se que
essa política é muito superior à
que vem sendo aplicada na economia brasileira, que continua a
apresentar um déficit fiscal superior a 3% do PIB, mantém sua taxa de juros real em torno de 14%
(sic) e viu sua taxa de câmbio retornar aos níveis anteriores à crise
cambial de 1998.
Dada essa diferença objetiva de
qualidade da política macroeconômica, entende-se por que o risco Argentina não pára de cair, já
havendo se equiparado ao do
Brasil, e por que os mercados financeiros internacionais estão
cada vez mais otimistas em relação à Argentina e desconfiados
em relação ao Brasil, não obstante a recente renegociação da dívida.
Essa posição dos mercados financeiros, embora contraditória
com a atitude negativa em relação ao governo Kirchner, não é
surpreendente. A crítica a Kirchner é ideológica, refletindo interesses, enquanto as avaliações de
risco precisam ser técnicas, já que
as empresas que se encarregam
dessa tarefa são competitivas e
resguardam sua reputação.
É verdade que a inflação tem
subido -está prevista uma taxa
de 11,5% em 2005. As autoridades
argentinas, porém, estão tranqüilas: sabem que, desde que não haja indexação, os preços voltarão a
cair. Isso, entretanto, não impede
o FMI de voltar a fazer pressão sobre o governo argentino para que
valorize o câmbio a fim de reduzir
a inflação. É por meio da recomendação de câmbio apreciado
combinado com crescimento com
poupança externa (déficit em
conta corrente) que os países do
Norte, cujos interesses essa organização representa fielmente,
neutralizam a capacidade competitiva dos países de mão-de-obra
barata e assim impedem seu desenvolvimento: apenas os torna
mais dependentes e remetendo
mais juros e lucros para o exterior.
O governo argentino, entretanto, já deixou claro que não se deixará atemorizar. Se o presidente
Kirchner não recorreu ao populismo cambial para alcançar uma
vitória eleitoral extraordinária há
duas semanas, não é agora que o
fará. Graças à sua firmeza e à excelente equipe econômica que o
está assessorando, ele desponta
como um líder latino-americano
de primeira grandeza.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 71, professor da Fundação Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Desenvolvimento e Crise no Brasil: 1930-2002".
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail -
lcbresser@uol.com.br
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