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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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TRABALHO

Liberalização comercial a partir dos anos 90 trouxe ganhos apenas para trabalhadores com maior nível educacional

Abertura favoreceu os mais qualificados

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

A propalada promessa de que a abertura comercial favoreceria os brasileiros com menor qualificação teve resultado oposto. Pesquisas recentes demonstram que apenas trabalhadores com melhor nível educacional, principalmente aqueles com diploma universitário, tiraram vantagens da maior integração econômica do Brasil com o resto do mundo.
Entre 1992 -ano em que o país acelerou a redução de tarifas alfandegárias- e 2002, os trabalhadores com mais de 15 anos de estudo conseguiram ganho real de renda (descontada a inflação) de 10,7%. Já os brasileiros com escolaridade entre 1 e 14 anos apresentaram perdas reais em seus salários médios entre 0,7% e 11,7%.
Os cálculos fazem parte de estudo do economista Jorge Saba Arbache, da Universidade de Brasília. Para Arbache, a leitura é clara: a abertura gerou aumento da demanda por trabalhadores mais especializados.
"Uma das explicações para isso é o fato de que, com a abertura, o país passou a ter acesso a tecnologias mais avançadas. As empresas passaram a precisar de mão-de-obra mais qualificada para operar essa tecnologia. Isso levou ao aumento da demanda por trabalhadores com nível educacional mais avançado", diz Arbache.
Os cálculos de Arbache, que analisou dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), feita pelo IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) entre 1992 e 2002, mostram que a exceção, entre os pouco escolarizados, são os brasileiros analfabetos ou com menos de um ano de estudo, que tiveram ganhos salariais médios reais de 6% no período.
No entanto, ao contrário do que aconteceu com os trabalhadores com diploma universitário, esse ganho não é explicado pela maior demanda por esses trabalhadores, mas pelo aumento real do salário mínimo no período.
Todas essas evidências chocam com a teoria de comércio internacional consagrada nos anos 80 e 90, que tem entre seus expoentes a vice-diretora-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Anne Krueger.
Krueger e outros teóricos defendiam que, ao se integrar à economia mundial, trabalhadores de países em desenvolvimento, como o Brasil, sairiam ganhando.
A explicação era relativamente simples: o Brasil produz a custo mais barato -em comparação aos países desenvolvidos- produtos básicos, utilizando intensivamente mão-de-obra pouco qualificada e abundante. Essas seriam as chamadas "vantagens comparativas brasileiras".
Ao ampliar sua corrente de comércio com o resto do mundo, a demanda externa por esses produtos cresceria, o que levaria a uma maior contratação de trabalhadores menos qualificados, que, em consequência, teriam sua remuneração aumentada.
O tiro, que parecia ter tudo para ser certeiro, acabou saindo pela culatra. Segundo especialistas, o erro de cálculo resultou da falta de previsão de que a integração traria novas tecnologias ao país. Trabalhadores com baixa qualificação, dizem, não têm capacidade suficiente para operar máquinas modernas.
"As evidências mostram que, com a abertura, aumentou a produtividade da indústria como um todo. Uma das prováveis explicações para isso é que o país passou a importar melhores insumos", diz Pedro Cavalcanti Ferreira, professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas) do Rio de Janeiro.
O efeito disso sobre o mercado de trabalho foi a maior demanda por trabalhadores qualificados e a demissão maciça da mão-de-obra menos capacitada, que, com a maior produtividade, passou a ser dispensável, principalmente nos setores industriais.
O economista Naércio Menezes, da USP (Universidade de São Paulo), foi co-autor de um trabalho que dizia, ao contrário disso, que a abertura teria favorecido a mão-de-obra menos qualificada em relação à mais capacitada. O estudo dividia os trabalhadores em dois grupos: os que tinham, pelo menos, o ensino médio completo, e aqueles com menos de 11 anos de educação.
O problema, admite Menezes, é que a análise de apenas dois grupos acaba misturando efeitos que afetaram de forma variada as distintas faixas educacionais. Nas suas pesquisas recentes, ele tem percebido que, na verdade, aumentou a procura pelo trabalhador com diploma universitário.
"Aumentaram a compra de insumos tecnologicamente mais avançados e a produtividade das firmas, o que levou à maior demanda por trabalhadores mais qualificados", diz Menezes.



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