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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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ANÁLISE

Europa se vê diante de dilema cambial

DO "FINANCIAL TIMES"

Pouco a pouco, o dólar vem perdendo terreno diante do euro. A moeda única européia atingiu a cotação de US$ 1,21, ante o US$ 0,84 que registrava em julho de 2001. Os operadores de câmbio mudaram de opinião com respeito à atitude no final dos anos 90, quando equiparavam a força de uma economia ao seu vigor cambial. Àquela altura, isso significava preferência pelo dólar e pela florescente economia dos EUA ante as moedas da prosaica zona do euro e do moribundo Japão.
Depois da breve recessão de 2001, a economia norte-americana parece agora tão forte como sempre. Ainda que o crescimento anunciado na sexta-feira para o número de vagas não-agrícolas criadas tenha sido um pouco decepcionante, a alta do PIB (Produto Interno Bruto) no terceiro trimestre atingiu notáveis 8,2% em termos anualizados. O consenso das previsões para 2004 é de um crescimento de 4,2% para os Estados Unidos, ante 2% para o Japão e 1,8% para a zona do euro.
Mas essa superioridade no crescimento não está mais fazendo nenhum bem ao dólar. Em lugar disso, os investidores estão de olho no déficit cada vez maior dos Estados Unidos em conta corrente: um buraco cujo financiamento exige US$ 1,5 bilhão ao dia em capital estrangeiro. É pouco provável que esse tipo de investidor se deixe atrair pelo rendimento dos mercados norte-americanos: as taxas de juros de curto prazo são de apenas 1% (e negativas em termos reais) e o rendimento do bônus de dez anos do Tesouro dos Estados Unidos está alguns pontos básicos abaixo de seu equivalente alemão.
E, assim que uma moeda começa a cair, os incentivos para sustentá-la rapidamente se reduzem. Para um investidor europeu, a alta de 21,5% registrada pelas Bolsas norte-americanas neste ano se traduz em apenas 5,6% de ganho em termos de euros, 25% a menos que o retorno obtido no mercado alemão.
Felizmente para os Estados Unidos, continuam a existir alguns financiadores voluntários para o seu déficit em conta corrente: os bancos centrais asiáticos. Eles estão ávidos por manter suas moedas firmes com relação ao dólar, de modo a estimular os exportadores em seus países. De modo que ficam felizes por agir mais ou menos como os mercadores burgueses que serviam à aristocracia da era vitoriana -trocam seus produtos pela promessa de futuro pagamento. Em algum momento, depois de suas posições em títulos públicos norte-americanos perderem valor acentuadamente, esse tipo de negócio pode parecer bem menos atraente, mas esse estágio parece estar ainda a anos de distância.

Conjuntura propícia
A relutância asiática em permitir que as moedas da região se valorizem em relação ao dólar transfere a parte maior do ônus dos ajustes à zona do euro e às moedas periféricas, como a libra esterlina e o dólar australiano.
Em teoria, isso deveria permitir que o BCE (Banco Central Europeu) cortasse suas taxas de juros. Essa medida poderia evitar o impacto deflacionário da alta do euro e desempenhar seu papel para reequilibrar a economia mundial, reduzindo a dependência em relação à demanda interna dos Estados Unidos.
Na prática, porém, o BCE pode não estar disposto a desempenhar esse papel. Já está insatisfeito com o fracasso da França e da Alemanha em respeitar os termos do Pacto de Estabilidade e Crescimento no que diz respeito ao déficit orçamentário. E parece sentir que o déficit norte-americano em conta corrente, porque resulta do comportamento perdulário dos Estados Unidos, não é problema da Europa.
Por enquanto, o boom no comércio mundial está tirando a zona do euro da pequena recessão que ela enfrentou no primeiro semestre deste ano. Os volumes de exportação são tão fortes que pouco importa que os exportadores europeus sejam menos competitivos.
Mas não é difícil ver em que ponto esse delicado número de equilibrismo poderia fracassar. A economia da China pode se superaquecer, retardando o crescimento no comércio mundial. A relutância dos investidores privados em manter ativos norte-americanos pode resultar em alta no rendimento dos papéis do Tesouro dos Estados Unidos, o que forçaria uma pausa na recuperação norte-americana. Diante de uma moeda em alta e de uma desaceleração na economia mundial, a Europa pode ser apanhada em uma posição muito desagradável.


Tradução de Paulo Migliacci


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