São Paulo, sexta, 8 de janeiro de 1999

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LUÍS NASSIF

O desastre Itamar

Em 1982, a decretação da moratória brasileira alijou o país do mercado internacional. O isolamento foi rompido mais de dez anos depois, em uma operação do governo mineiro, com títulos soberanos, sem aval e sem garantia do Tesouro Nacional.
Apesar de uma situação estruturalmente complicada, na área de pessoal, Minas Gerais teve administrações financeiramente responsáveis, mesmo no governo populista de Newton Cardoso. Com Hélio Garcia, todos os acordos políticos tinham que passar pelo aval da área econômica, para não comprometer as contas públicas. E jamais o interesse de Minas foi colocado acima do interesse nacional. Mesmo decisões que poderiam eventualmente prejudicar o Estado eram aceitas, desde que claramente identificado o interesse nacional em jogo.
Não se menosprezam as dificuldades atuais. Mas a decisão do governador Itamar Franco de decretar unilateralmente a moratória do Estado, sem procurar negociar, sem procurar apresentar suas razões, prejudica o país, inviabiliza renegociações soberanas das dívidas estaduais com a União e envergonha o Estado.
Foram quase 20 anos com o país tentando apagar do cenário internacional a fama de caloteiro, de povo pouco sério, não afeito a honrar seus compromissos nem a acatar contratos. Nesse período, grande parte dos "spreads" cobrados dos financiamentos ao Brasil decorria dessa fama de caloteiro, reforçada pela moratória de 1986, que aumentou substancialmente o risco Brasil.
Agora, o mesmo Estado que ajudou na recuperação da imagem internacional do país torna-se instrumento de prejuízo para o país como um todo, nas mãos de um governador voluntarista, que pensa exclusivamente no seu interesse político imediato, pouco se importando com as consequências para o país
Os argumentos invocados por Itamar para denunciar o acordo são sofismas baratos. O primeiro deles é que Minas negociou mal sua dívida por aceitar taxas de juros de 7,5% ao ano, acima do IGP, contra taxas de 6% de outros Estados. As condições de renegociação eram as mesmas para todos os Estados, já que foram autorizadas por uma lei específica. Estados que pagassem à vista 20% da dívida teriam direito a 6% de juros. Como Minas pagou 10%, a taxa de equalização foi de 7,5%. O resultado financeiro é o mesmo.
O segundo argumento é que o Estado começou a pagar agora amortização de R$ 80 milhões por mês, o que não ocorria antes. O Estado sempre pagou R$ 70 milhões mensais de custo da dívida. Ocorre que, pelas taxas de juros do mercado, o dinheiro ia integralmente para pagar juros, não permitindo amortização. Agora, com juros favorecidos, existe a amortização.
A situação do Estado não é fácil. Minas gasta 95% de sua receita corrente com a folha. Desse total, 40% equivalem à folha de aposentados. Nos últimos quatro anos, não conseguiu reduzir o quadro de pessoal porque não havia mecanismos de CLT, como o Baneser, de São Paulo. Os primeiros 1.400 demitidos foram readmitidos pela Justiça.
A atitude de Itamar prejudicou todos os Estados que aspiravam a uma negociação adulta com o governo federal. E prejudicou todos os setores que questionam a consistência do programa de ajuste fiscal, dentro de uma perspectiva madura e racional.
Depois desse rompante, o governo não poderá sequer abrir negociações com os Estados, sob risco de passar a imagem de derrota do ajuste fiscal. O governo federal será obrigado a executar as garantias, deixando Minas em situação mais delicada ainda.
O federalismo brasileiro exige governantes responsáveis, que saibam defender soberanamente os interesses de seus cidadãos, mas que se comportem como pessoas investidas da responsabilidade de zelar pela segurança nacional. Itamar não faz uma coisa nem outra.

E-mail: lnassif@uol.com.br



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