São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Espirito nacional

BENJAMIN STEINBRUCH

Fizeram piadinhas na semana passada quando o presidente Lula disse que "nós poderemos fazer do século 21 o século do Brasil". Não achei graça nenhuma, porque endosso totalmente as palavras do presidente.
Suponho que, em pleno feriadão, no meio da folia ou na praia, o brasileiro não esteja lá muito interessado em perorações de política econômica, sobre juros, câmbio e assemelhados. Mas o Carnaval, a mais importante manifestação da cultura popular brasileira, é sempre uma oportunidade para reflexões sobre coisas nossas, que precisam ser incentivadas.
Carnaval não é invenção brasileira, mas virou coisa nossa, que sabemos fazer com competência e da qual podemos nos orgulhar. Assim como são coisas nossas futebol, álcool, soja, café, frango, carne, Petrobras, ferro, aço, sol, praia e até avião.
Piadinhas sobre as fraquezas do país confirmam o espírito jocoso e autocrítico do brasileiro. Mas elas contribuem para cultivar um complexo de inferioridade que nos persegue há décadas, forte o suficiente para impedir o desenvolvimento de um nacionalismo sadio e indispensável para o avanço do país.
O século 21 não será o século do Brasil sem esse espírito nacional e sem a defesa determinada dos interesses do país.
Nacionalismo é proteger do assédio estrangeiro aqueles setores empresariais que julgamos importantes e nos quais somos competitivos, como agronegócios, papel e celulose, mineração, siderurgia, têxteis e calçados, entre outros. Nessas áreas, não podemos aceitar mais desnacionalizações, como houve no passado recente, nem deixar corporações desamparadas por falta de crédito e capital. Ao contrário, temos de estimulá-las a inverter o processo e passar a comprar empresas no exterior. Também é indispensável incentivar setores de ponta, como biotecnologia, nanotecnologia etc.
Nacionalismo é tirar o traseiro da cadeira e sair para vender o Brasil no mercado internacional, apesar da taxa de juros e da política cambial, que sobrevalorizam o real e encarecem os produtos brasileiros. Nacionalismo é ter coragem e disposição para defender os interesses comerciais do país nos fóruns internacionais, contra os subsídios protecionistas dos países mais ricos.
A globalização é uma realidade irrefutável, mas ela não nos desobriga da tarefa de estabelecer prioridades nacionais, cujo desenvolvimento deve ser sustentado sem economia de recursos. A educação, por exemplo, exige investimentos pesados e persistentes. Isso é nacionalismo sadio.
Lula, intuitivo, já percebeu que os brasileiros precisam elevar o seu nível de auto-estima, derrubado durante várias décadas de decadência econômica. Defende um lugar no Conselho de Segurança da ONU, vai a reuniões internacionais, lidera a campanha pelo combate mundial à fome, faz marketing lá fora, veste a camisa verde-amarela, vende o Brasil.
Com essa atitude, o presidente apenas cumpre sua obrigação de autoridade suprema do país. Mas essa tarefa não cabe só a ele. Recolocar na moda o sentimento nacional é um dever de todos os brasileiros em posições de liderança, nos partidos, nas universidades, nas empresas e nas diversas instituições da sociedade.
Livre de doentios complexos de inferioridade, o país poderá, sim, conquistar um lugar de destaque no século 21, muito antes do que imaginam os que debocham de manifestações de orgulho nacional. O Carnaval é bom, entre outras razões, porque nele os brasileiros, desinibidos, cantam e dançam as coisas do Brasil.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Proposta de Orçamento dá fôlego à alta do dólar
Próximo Texto: Análise: Bush só reduzirá o déficit com mágica
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.