São Paulo, terça-feira, 08 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Bush só reduzirá o déficit com mágica

EDMUND L. ANDREWS
DO "NEW YORK TIMES"

A economia está crescendo. A arrecadação tributária está subindo. Mas será que esses fatores bastarão para resgatar o presidente Bush de um déficit que parece destinado a se manter acima dos US$ 400 bilhões? A resposta, infelizmente, é quase certamente não, dizem os analistas.
Apesar de todos os cortes anunciados ontem pelo presidente, o total de cortes previstos para o ano que vem não devem passar de US$ 15 bilhões, sem grande efeito sobre o déficit.
Até agora, as maiores porções do Orçamento -programa de assistência médica Medicare, Seguro Social e gastos militares- estão imunes a cortes e seus custos devem crescer rapidamente nos próximos anos.
Além disso, o plano de Bush para substituir parte do sistema previdenciário por contas privadas de poupança requererão trilhões de dólares em captação adicional ao longo das próximas décadas.
A base da estratégia orçamentária de Bush é a crença de que um crescimento econômico vigoroso, estimulado por cortes de impostos -com o objetivo de estimular os americanos mais prósperos a produzir mais riqueza-, geraria altas acentuadas na arrecadação tributária, o que gradualmente reduziria o déficit.
À primeira vista, seu otimismo talvez tivesse justificativas. Afinal, a alta da arrecadação tributária ajudou Washington no boom econômico dos anos 1990, tirando o Orçamento do vermelho. Analistas orçamentários democratas e republicanos, porém, dizem que esse desfecho é muito menos provável na atual situação. Os contrastes são grandes.
Ao longo da maior parte dos anos 90, os gastos do governo cresceram em passo de lesma. Mas no primeiro mandato do presidente Bush, eles dispararam e devem continuar crescendo rapidamente à medida que a geração "baby-boom" (os nascidos entre 1946 e 1964) passa a viver de aposentadorias.
Nos anos 90, o maior salto na arrecadação tributária surgiu dos contribuintes de alta renda que realizaram imensos lucros com a bolha das Bolsas encerrada em 2000. Mas os cortes de impostos de Bush em 2001 e 2003 reduziram as alíquotas pagas pelos mais ricos e cortaram à metade os impostos sobre os dividendos e ganhos de capital, o que torna praticamente impossível que a arrecadação tributária venha a crescer em ritmo substancialmente mais elevado que a economia.
"Não acredito que seja provável que tenhamos uma repetição dos anos 90", disse Douglas Holtz-Eakin, o diretor, apontado pelos republicanos, do Serviço de Orçamento do Congresso. "Não podemos resolver essa situação por meio do crescimento."
A Casa Branca espera concentrar a atenção pública em suas propostas de reduzir dezenas de programas domésticos. Mas, embora muitos desses cortes devam ser severos, seu impacto sobre o déficit será pequeno.
No geral, Bush promete cortar ou eliminar 150 programas do governo federal. Mas analistas republicanos que trabalham no Congresso previram na sexta-feira que era improvável que esses cortes reduzissem o orçamento em mais de US$ 15 bilhões. E nem mesmo isso está garantido.
O outro lado da equação de Bush -arrecadação tributária mais alta resultante de um crescimento acentuado da economia- dificilmente conseguirá cobrir a diferença. A despeito do forte crescimento econômico e da disparada dos lucros empresariais no ano passado, a arrecadação tributária federal respondeu por apenas 16,3% do PIB (Produto Interno Bruto), total comparável ao nível dos anos 50 e muito abaixo dos 21% atingidos durante a bolha do mercado de ações em 2000.
"O que é pouco realista é que eles estejam tentando bancar um governo com as demandas que existem hoje e contando com um fluxo de receita digno dos anos 50", disse Robert Bixby, diretor da Concord Coalition, um grupo de pesquisa pró-disciplina fiscal.
A arrecadação tributária cresceu muito acima do esperado durante o boom econômico e a bolha do mercado do final dos anos 90, mas os analistas dizem que há pouca probabilidade de que isso se repita na presente década.
Brian Riedl, analista de orçamento da Heritage Foundation, um grupo de pesquisa conservador de Washington, estimou que os déficits ficarão em torno dos US$ 400 bilhões ao ano até 2009, com as tendências atuais de gastos com o Iraque e os principais programas de benefícios.
Para que Bush possa cumprir sua promessa de reduzir o déficit à metade até 2009, disse Riedl, o presidente teria de cortar US$ 200 bilhões de programas domésticos que agora custam menos de US$ 500 bilhões ao ano. "Não há como atingir esse objetivo cortando só os gastos que dependem apenas do Executivo", disse. "Seria preciso reduzir programas que garantem benefícios permanentes."
Cerca de dois terços dos US$ 2,3 trilhões do atual Orçamento se dirigem a programas de benefícios permanentes. O Serviço Orçamentário do Congresso estima que os custos do Medicare subirão em US$ 55 bilhões em 2005, a US$ 380 bilhões. Os desembolsos do Seguro Social devem subir US$ 23 bilhões, a US$ 540 bilhões.
Mas Bush concentrou quase todos os seus cortes em programas controlados pelo Executivo, que tiveram custo total de US$ 466 bilhões no ano passado. Congelar no nível atual os gastos com o amplo elenco de programas bancados por Washington e permitir que eles cresçam apenas de acordo com a inflação resultaria em corte de US$ 10 bilhões no Orçamento, de acordo com o Serviço Orçamentário do Congresso. É uma redução de 1% nos gastos, numa tarefa complexa politicamente, que resultaria em economia de custos de US$ 15 bilhões.
O senador Judd Gregg, republicano e presidente do Comitê Orçamentário do Congresso, disse que nem os cortes de gastos de Bush nem sua esperança de forte crescimento econômico bastariam para cobrir a diferença.
"Não se pode atingir o objetivo, em nossa situação atual, a não ser que cortemos programas de benefício permanente", disse. "Isso acontece pelo mesmo motivo que Willy Sutton usou para explicar por que roubava bancos: é lá que está o dinheiro."
Chad Kolton, porta-voz do Serviço de Administração e Orçamento da Casa Branca, disse que Bush conseguirá reduzir o déficit à metade ao longo dos próximos cinco anos. "Temos uma estratégia dupla para reduzir o déficit à metade, pela restrição dos gastos governamentais e estímulos a maior crescimento que gere maior arrecadação", disse Kolton.
Mas, mesmo que a alta na arrecadação tributária ajude a reduzir o déficit nos próximos cinco anos, os cinco subseqüentes provavelmente seriam muito mais difíceis.
Bush quer tornar permanentes os seus cortes de impostos, que expiram em 2011. Isso custaria US$ 1,8 trilhão ao longo dos próximos dez anos, e a maior parte do custo recairia após 2009. Mas Bush já não estará no cargo quando esse momento chegar.


Tradução de Paulo Migliacci


Texto Anterior: Opinião econômica - Benjamin Steinbruch: Espirito nacional
Próximo Texto: Sem efeito
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.