São Paulo, quinta-feira, 08 de fevereiro de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Impotência do Banco Central?

Poucos duvidam de que a apreciação do real foi longe demais, com prejuízo para o crescimento da economia

O BANCO Central é impotente para conter a valorização do real? A essa altura, poucos duvidam de que a apreciação foi longe demais, com prejuízos para as contas externas e, sobretudo, para o crescimento da economia. A deterioração do balanço de pagamentos em conta corrente só não é maior porque o cenário mundial continua ajudando e, também, porque o modesto crescimento da demanda doméstica contribui para restringir a demanda por importações. Mas o impacto negativo da moeda forte sobre o PIB, provocado pela desaceleração do quantum exportado e pela substituição de produção nacional por importações, tornou-se bastante perceptível em 2006.
Convence cada vez menos o argumento de que a apreciação ajuda a manter a inflação dentro da meta e permite, assim, que o BC pratique juros menores. Esse argumento se reduz essencialmente ao seguinte: se o real não tivesse experimentado a apreciação que experimentou em 2006 e nos anos anteriores, a inflação seria maior e o BC teria que ter praticado juros reais ainda maiores do que os que aplicou. Resumo da opereta: o crescimento será sempre medíocre, na faixa de 3% ou um pouco mais. Com apreciação, via efeito do câmbio sobre as exportações líquidas. Sem apreciação, via efeito de juros mais altos sobre a demanda doméstica. Em qualquer hipótese, porém, a inflação ficará dentro da meta...
Nem o próprio BC aceita mais essa argumentação. Pelo menos não totalmente. Afinal, a autoridade monetária começou a fazer pesadas aquisições de reservas em 2006, com o intuito não-declarado de barrar a tendência à valorização do real.
Evidentemente, ninguém acredita na versão Mickey Mouse de que as intervenções do BC visam apenas acumular reservas sem nenhuma preocupação com a taxa de câmbio.
Entretanto as reservas ultrapassaram a marca de US$ 90 bilhões e o real voltou a subir neste início de ano. Daí a sensação de impotência. Mas a sensação é ilusória. O governo e o BC têm (ou podem recuperar) os instrumentos necessários para estabilizar o câmbio ou até promover uma certa depreciação (recomendável) do real.
Alguns instrumentos são inconvenientes ou inócuos. Por exemplo: seria inconveniente reduzir as tarifas de importação ou outras barreiras, mesmo que fosse possível fazê-lo de comum acordo com os nossos parceiros no Mercosul ou de maneira compatível com as regras do bloco.
A razão é que o Brasil e os demais países do Mercosul estão engajados em negociações comerciais com outros países ou blocos regionais. Nessas negociações, as tarifas constituem importante instrumento de negociação e obtenção de contrapartidas. Seria contraproducente, e até meio ridículo, promover uma abertura comercial unilateral com o intuito de impedir a tendência à valorização cambial.
Outro exemplo: seria inócuo no curto prazo e estrategicamente inconveniente tentar alcançar esse objetivo com facilidades adicionais para a remessa de capital e aplicações no exterior por parte de residentes no Brasil. Inócuo porque a liberdade já é muito ampla. Inconveniente porque, em conjunturas mais adversas, pode voltar a ser necessário introduzir ou reforçar controles sobre a saída de capitais de residentes.
Não se assuste, leitor, com o parágrafo anterior. Lamentavelmente, toda discussão econômica importante está sempre contaminada pela mistura de ideologia e interesses. No Brasil, a turma da bufunfa e o lobby financeiro conseguiram, com ajuda de economistas, estigmatizar a administração cuidadosa dos fluxos de capital e dos passivos externos do país. Propagou-se a versão de que isso seria incompatível com o século 21, com o espírito de uma economia de mercado, com o espírito da "globalização" e até com a liberdade do cidadão e os direitos da pessoa humana. Abro aqui um pequeno parêntese.
Nada tenho contra a bufunfa e os seus detentores e adoradores. Os que conseguem acumulá-la (dentro da lei e dos bons costumes) têm inegavelmente os seus méritos. Desagradável é quando a bufunfa quer pensar, escrever livros, autobiografias e artigos de jornal. Aí não há quem agüente. Nem os parentes próximos (sobretudo esses). Os bufunfeiros deveriam ficar rigorosamente silentes e recolhidos à atividade meritória de acumular mais bufunfa.
Fecho o parêntese e percebo, alarmado, que o meu espaço está acabando. Ainda não respondi à pergunta do início do artigo. Só me resta voltar ao assunto na quinta que vem.
O leitor verá, se tiver paciência, que é perfeitamente possível conter e inverter o movimento da taxa de câmbio. Tudo depende de uma coordenação habilidosa da política de juros, com compras de reservas e controles seletivos sobre o mercado de câmbio e os fluxos de capital.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 51, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).

pnbjr@attglobal.net


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