São Paulo, quarta-feira, 08 de março de 2000


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LUÍS NASSIF

A come-quieto das cervejas

Nessa guerra das cervejas, pouco se falou da Schincariol, empresa do interior paulista que surgiu nos últimos anos conquistando fatias crescentes do mercado nacional. No início, a concorrência atribuía o fenômeno à suspeita de que a empresa não pagasse impostos. É possível, como ocorre em quase toda empresa em início de processo de expansão. Agora, grande, as vantagens comparativas residem na capacidade de entender o mercado.
A posição da Schincariol tem sido cômoda nessa guerra, assistindo de longe e se permitindo criticar as duas pontas a AmBev (associação da Antarctica com a Brahma) e a Kaiser. A proposta da AmBev de levar o Guaraná Antarctica para o mundo é vista com ressalvas, principalmente porque nos últimos anos não se investiu sequer no mercado brasileiro. O Guaraná Antarctica chegou a 15,2% do mercado de refrigerantes e hoje possui apenas 6,3%. Mesmo antes da crise da Antarctica, o Guaraná vinha caindo porque é o refrigerante mais suscetível à guerra de preços, especialmente as empreendidas pelas tubaínas. Hoje em dia, os independentes possuem 30% do mercado brasileiro e estão se estruturando cada vez mais.
O fator preço ainda é determinante no mercado de cervejas. Se se colocar Schincariol com base 100 de preço, a garrafa retornável da Brahma e Skol vai para 127, a da Antarctica, para 122, e a da Kaiser, para 111.
Mas o ponto central da análise da Schincariol é que, no mercado de cerveja, as marcas envelhecem e são substituídas. Se não se considerar a Bavaria, as cervejas de marca Antarctica caíram de 19,9% do mercado em outubro de 1997 para 13%. A Brahma caiu de 24,7% para 21,3% e foi salva pela Skol, que saltou de 22% para 27,5%. A Kaiser também caiu nesse período, enquanto a Schincariol cresceu de 7% para 8%. A própria Budweiser soma 45 pontos no mercado americano, mas, sem a Bud Light, cairia para 30 pontos.
O curioso nessa batalha é que a Kaiser -principal adversária da fusão- vem perdendo mercado consistentemente nos últimos anos. Está bem posicionada em São Paulo e em algumas regiões do país. Mas vem perdendo espaço na maior parte das demais. No Nordeste, em outubro de 1997 tinha 11% do mercado. Hoje, caiu para 8,7%. Na Bahia, caiu de 10% para 6,9%, enquanto a Schincariol saltava de 15,3% para 18%.
Os dados apresentados pela Schincariol, a partir dos relatórios da Nielsen, demonstram uma extrema volatilidade em todos esses mercados. E essa guerra se desenvolve em torno da instalação de fábricas em regiões estratégicas e de uma boa ofensiva sobre os pontos-de-venda. Uma das razões da baixa participação da Kaiser no mercado deve-se ao fato de ter abandonado a expansão dos pontos-de-venda, nos últimos anos. E parte da queda da Antarctica se deve à ofensiva bem-sucedida da Brahma no Nordeste, que sempre foi mercado cativo da ex-concorrente.

Concentração
Independentemente do voto a ser proferido no caso AmBev, é hora de o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) passar a investigar as práticas de abuso cometidas indistintamente por todas as grandes cervejarias. Do leitor Cláudio Fernandes, recebo as seguintes informações sobre práticas danosas à concorrência:
"a) permissão para que as cervejarias tenham "pontos exclusivos", normalmente obtidos por meio da doação de móveis, luminosos e produtos;
b) a integração vertical: a produção nacional de malte e de extrato de guaraná está nas mãos da AmBev, o que praticamente impedirá a entrada de novos players no mercado;
c) o fato de ser considerada legal a "compra" de espaço nas gôndolas dos supermercados, que são hoje o mais importante canal de distribuição de bebidas;
Dessas práticas nem a Kaiser está isenta e são profundamente prejudiciais ao desenvolvimento de uma indústria de bebidas de médio e pequeno portes, vinculada aos mercados regionais, como existe em praticamente todos os países desenvolvidos".


E-mail: lnassif@uol.com.br



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