São Paulo, quarta-feira, 08 de março de 2000


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COMÉRCIO EXTERIOR
Vice-líder dos democratas rebate José Serra e vê dumping na exportação
Deputado dos EUA defende sobretaxas contra o Brasil

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
Especial para a Folha, em San Francisco

Não há nenhuma perspectiva de os EUA diminuírem suas restrições à entrada de produtos brasileiros, como aço e suco de laranja. O prognóstico é de David Bonior, vice-líder do Partido Democrata na Câmara dos Deputados, para quem o Brasil tenta praticar dumping (venda abaixo do custo) no mercado americano.
Bonior, representante do Estado de Michigan, falou à Folha ao final de um dia inteiro de debates sobre o Brasil, na semana passada, na Universidade da Califórnia em Berkeley (Costa Oeste).
O seminário -"Desafios para o Brasil: um Diálogo"- reuniu representantes do governo, como os ministros José Serra (Saúde) e Raul Jungmann (Reforma Agrária), acadêmicos brasileiros e americanos, sindicalistas e políticos. O discurso inaugural foi da primeira-dama, Ruth Cardoso.
As declarações do deputado David Bonior foram uma resposta ao discurso feito, horas antes, pelo ministro Serra, criticando duramente o que o governo do Brasil considera "protecionismo" americano contra países em desenvolvimento. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha - O que o sr. achou da conferência? Aprendeu alguma coisa nova sobre o Brasil?
David Bonior
- Foi importante conhecer os pontos de vista de gente de diferentes partidos. Mas o que mais me chamou a atenção foi o clima de troca de gentilezas entre as pessoas, a falta de tensão em alguns pontos muito básicos. Eu não esperava essa camaradagem, especialmente entre os líderes sindicais (Luiz Marinho, da CUT, e Paulo Pereira da Silva, da Força Sindical) e os ministros.

Folha - A questão do protecionismo americano foi levantada pelo ministro Serra e depois pelos líderes sindicais. O senhor vê alguma perspectiva de mudança, em especial no que se refere ao suco de laranja e aço?
Bonior
- Claro que gostaríamos de ter as práticas comerciais mais abertas possíveis, mas a visão da indústria de aço americana é que países como Brasil, Japão, Coréia e Rússia estão fazendo "dumping", vendendo a preço inferior ao custo de produção. Isso é para conseguir entrar em nosso mercado e depois subir os preços. Temos uma lei contra isso. Não a vemos como protecionista, mas sim como um meio de reagir contra o que julgamos uma prática comercial injusta.

Folha - O ministro Serra disse achar que o Brasil é especialmente vitimado pelo que ele considera práticas protecionistas americanas. O sr. concorda?
Bonior
- Isso é o que ele acha. Não sei se o Brasil é vítima. O que sei é que nossos trabalhadores são vitimados por esse tipo de política (dumping). Não vamos tolerar que os canadenses façam "dumping" de madeira, ou que os japoneses façam dumping de derivados de petróleo, ou que haja dumping de aço.
Se o produto for vendido aqui a um preço competitivo, que reflita os custos reais de mão-de-obra, isso é uma coisa, e podemos competir. Mas não vamos competir com quem quer acabar com nossa indústria siderúrgica. Primeiro porque achamos injusto. Segundo porque temos um interesse estratégico em manter pelo menos parte da produção de aço aqui nos EUA.

Folha- O senhor poderia explicar melhor?
Bonior
- Toda potência mundial precisa ter certeza de que terá como produzir aço, estrategicamente, em caso de guerra. Por isso precisamos da indústria aqui, para não nos tornarmos reféns justamente em momentos críticos.

Folha - Esse ponto, do interesse estratégico, não seria o que realmente está em jogo?
Bonior
- Não. O ponto principal é o ataque causado pelo "dumping" aos trabalhadores americanos na indústria siderúrgica.

Folha - Outra questão abordada por Serra foi a tentativa americana de estabelecer uma legislação trabalhista internacional. Para o governo brasileiro, esse interesse pelos direitos dos trabalhadores visa, na verdade, a eliminar uma das principais vantagens dos produtos de países como o Brasil: a mão-de-obra barata.
Bonior
- Não necessariamente. Eu discordo. Os produtos do Brasil ficariam ainda mais competitivos, porque o Brasil já tem posições sobre trabalho infantil, trabalho escravo, negociações coletivas e liberdade sindical. Aí, a desvantagem do Brasil é a mesma dos EUA, em comparação a países como Indonésia e México, que podem até ter leis a esse respeito, mas não cumprem.

Folha - A questão é que a mão-de-obra barata é considerada uma grande vantagem comercial por países como o Brasil, que não querem perdê-la por causa de leis internacionais defendidas pelos EUA.
Bonior
- O Brasil não tem nada a temer em termos de direitos trabalhistas básicos. Se o Brasil já respeita esses direitos, então nada tem a temer. O que acontecerá é que as grandes corporações vão sair dos Estados Unidos e do Brasil para procurar países como o México, sem padrão de direitos trabalhistas.



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