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COMÉRCIO EXTERIOR
Vice-líder dos democratas rebate José Serra e vê dumping na exportação
Deputado dos EUA defende sobretaxas contra o Brasil
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
Especial para a Folha, em San Francisco
Não há nenhuma perspectiva de
os EUA diminuírem suas restrições à entrada de produtos brasileiros, como aço e suco de laranja.
O prognóstico é de David Bonior,
vice-líder do Partido Democrata
na Câmara dos Deputados, para
quem o Brasil tenta praticar dumping (venda abaixo do custo) no
mercado americano.
Bonior, representante do Estado de Michigan, falou à Folha ao
final de um dia inteiro de debates
sobre o Brasil, na semana passada, na Universidade da Califórnia
em Berkeley (Costa Oeste).
O seminário -"Desafios para o
Brasil: um Diálogo"- reuniu representantes do governo, como
os ministros José Serra (Saúde) e
Raul Jungmann (Reforma Agrária), acadêmicos brasileiros e
americanos, sindicalistas e políticos. O discurso inaugural foi da
primeira-dama, Ruth Cardoso.
As declarações do deputado
David Bonior foram uma resposta ao discurso feito, horas antes,
pelo ministro Serra, criticando
duramente o que o governo do
Brasil considera "protecionismo"
americano contra países em desenvolvimento. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - O que o sr. achou da
conferência? Aprendeu alguma
coisa nova sobre o Brasil?
David Bonior - Foi importante
conhecer os pontos de vista de
gente de diferentes partidos. Mas
o que mais me chamou a atenção
foi o clima de troca de gentilezas
entre as pessoas, a falta de tensão
em alguns pontos muito básicos.
Eu não esperava essa camaradagem, especialmente entre os líderes sindicais (Luiz Marinho, da
CUT, e Paulo Pereira da Silva, da
Força Sindical) e os ministros.
Folha - A questão do protecionismo americano foi levantada
pelo ministro Serra e depois pelos líderes sindicais. O senhor vê
alguma perspectiva de mudança, em especial no que se refere
ao suco de laranja e aço?
Bonior - Claro que gostaríamos
de ter as práticas comerciais mais
abertas possíveis, mas a visão da
indústria de aço americana é que
países como Brasil, Japão, Coréia
e Rússia estão fazendo "dumping", vendendo a preço inferior
ao custo de produção. Isso é para
conseguir entrar em nosso mercado e depois subir os preços. Temos uma lei contra isso. Não a vemos como protecionista, mas sim
como um meio de reagir contra o
que julgamos uma prática comercial injusta.
Folha - O ministro Serra disse
achar que o Brasil é especialmente vitimado pelo que ele
considera práticas protecionistas americanas. O sr. concorda?
Bonior - Isso é o que ele acha.
Não sei se o Brasil é vítima. O que
sei é que nossos trabalhadores são
vitimados por esse tipo de política
(dumping). Não vamos tolerar
que os canadenses façam "dumping" de madeira, ou que os japoneses façam dumping de derivados de petróleo, ou que haja dumping de aço.
Se o produto for vendido aqui a
um preço competitivo, que reflita
os custos reais de mão-de-obra,
isso é uma coisa, e podemos competir. Mas não vamos competir
com quem quer acabar com nossa indústria siderúrgica. Primeiro
porque achamos injusto. Segundo porque temos um interesse estratégico em manter pelo menos
parte da produção de aço aqui
nos EUA.
Folha- O senhor poderia explicar melhor?
Bonior - Toda potência mundial
precisa ter certeza de que terá como produzir aço, estrategicamente, em caso de guerra. Por isso
precisamos da indústria aqui, para não nos tornarmos reféns justamente em momentos críticos.
Folha - Esse ponto, do interesse estratégico, não seria o que
realmente está em jogo?
Bonior - Não. O ponto principal
é o ataque causado pelo "dumping" aos trabalhadores americanos na indústria siderúrgica.
Folha - Outra questão abordada por Serra foi a tentativa americana de estabelecer uma legislação trabalhista internacional.
Para o governo brasileiro, esse
interesse pelos direitos dos trabalhadores visa, na verdade, a
eliminar uma das principais
vantagens dos produtos de países como o Brasil: a mão-de-obra barata.
Bonior - Não necessariamente.
Eu discordo. Os produtos do Brasil ficariam ainda mais competitivos, porque o Brasil já tem posições sobre trabalho infantil, trabalho escravo, negociações coletivas e liberdade sindical. Aí, a desvantagem do Brasil é a mesma
dos EUA, em comparação a países como Indonésia e México, que
podem até ter leis a esse respeito,
mas não cumprem.
Folha - A questão é que a mão-de-obra barata é considerada
uma grande vantagem comercial por países como o Brasil,
que não querem perdê-la por
causa de leis internacionais defendidas pelos EUA.
Bonior - O Brasil não tem nada a
temer em termos de direitos trabalhistas básicos. Se o Brasil já
respeita esses direitos, então nada
tem a temer. O que acontecerá é
que as grandes corporações vão
sair dos Estados Unidos e do Brasil para procurar países como o
México, sem padrão de direitos
trabalhistas.
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