São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2004

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LUÍS NASSIF

A chance do século

Em sua palestra no Fórum da Liberdade, realizado na PUC (Pontifícia Universidade Católica), em Porto Alegre, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que Luiz Inácio Lula da Silva não irá conseguir fazer o desenvolvimento, como ele também não conseguiu, porque é um processo que depende de muitas variáveis, e não apenas da vontade do presidente. A hora é de olhar para a frente. Só que, para não perder o rumo, é fundamental analisar o que aconteceu lá atrás.
Algumas vezes na vida de uma nação, poucas delas, ocorrem movimentos sociopolíticos ou econômicos que provocam grandes mobilizações regionais ou sociais capazes de mudar a história de um país. É quando algum evento rompe a estratificação social e abre espaço para a inclusão de grandes contingentes populacionais no mercado de consumo.
É o que ocorre hoje com a China. Houve a abertura econômica, que criou novos consumidores e chamou a atenção das multinacionais, que fizeram investimentos, gerando mais emprego, mais consumo, mais investimento, em um círculo virtuoso que se prolongou por toda a década.
O Brasil teve três oportunidades similares e as jogou pela janela.
A primeira foi na Abolição da Escravatura. A falta de políticas sociais adequadas, em vez de consumidores, criou favelados e um problema de falta de integração social que persiste até hoje.
A segunda foi no período militar, por volta de 1970, quando ocorreu o grande êxodo rural e regional. Uma política correta de inclusão social teria dobrado o mercado consumidor brasileiro, impulsionado o mercado interno de forma irreversível e permitido ao país cruzar a linha do subdesenvolvimento. A falta de providências, de investimentos em áreas sociais, explodiu com o sistema educacional, com o sistema de saúde, gerando mais problemas sociais.
A terceira e maior oportunidade foi com o Plano Real. Ao estancar a inflação, o Real provocou a maior inclusão econômica da história do país. Melhor ainda: sem os grandes e traumáticos movimentos regionais, sem traumas políticos, sem pressões adicionais sobre os serviços públicos. Apenas milhões de pessoas cruzando a linha da pobreza, pelo controle da superinflação, com uma conjuntura internacional extraordinariamente favorável ao investimento.
Tudo foi abortado pelo erro do câmbio. A valorização tornou as contas externas vulneráveis. Para não mexer no câmbio, o governo abortou o crescimento com taxas de juros extraordinariamente elevadas, provocando inversão fulminante nas decisões de investimento. Mês após mês, a multidão de novos consumidores foi refluindo de volta ao limbo a que estavam jogados antes do Real. A chance do século esteve ao alcance das nossas mãos e foi jogada fora.
Os juros criaram uma dívida interna impagável. As fragilidades criadas passaram a exigir políticas muito mais audaciosas, um estadista que rompesse com a armadilha montada.
Para os próximos anos, se assistirá à economia se arrastando ano após ano, até que uma nova crise da dívida provoque uma monetização, um surto inflacionário rápido e fulminante, que recrie as condições de crescimento da economia.


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