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SERMÃO
Região precisa de medidas drásticas, diz documento
Política econômica da América Latina é criticada por europeus
DO COLUNISTA DA FOLHA, EM PARIS
A Comissão Européia, braço
executivo do conglomerado de 15
países europeus, divulgou ontem
comunicado com fortes críticas
ao baixo crescimento econômico
de certas nações da América Latina, entre as quais o Brasil, e, acima
de tudo, ao modelo econômico-social do subcontinente.
O texto acaba sendo um verdadeiro sermão aos dirigentes latino-americanos, ao afirmar:
"As tensões sociais e a situação
econômica estão também estreitamente relacionadas, já que toda
incerteza incide negativamente
no comportamento dos mercados financeiros e dos investidores. A solução desses problemas,
com o objetivo de incrementar a
coesão social, constitui uma prioridade fundamental da América
Latina, que já não pode adiar a
adoção de medidas drásticas de
política social e fiscal que dêem
resposta aos sinais de mal-estar
profundo que mostra uma parte
importante da população."
O texto europeu deveria ser um
elogio à América Latina e às relações "estratégicas" que a Europa
pretende manter com a região,
em especial a partir da 3ª cúpula
União Européia/América Latina-Caribe, marcada para 28 de maio,
em Guadalajara, no México.
Dela já participarão os dez novos sócios da UE, que se integrarão ao bloco no dia 1º.
O documento começa exatamente pela ênfase na importância
da América Latina para "a estabilidade e a paz mundial". Depois,
celebra o fato de que o encontro
de Guadalajara se dará "em um
clima econômico mais favorável
que o da Cúpula de Madri, em
2002, ano em que a América Latina registrou um crescimento negativo [-0,4%]".
Mas a realidade parece superar
a boa vontade européia. O texto
divulgado lembra que o crescimento econômico do ano passado e deste ano "não dá margem
para complacência".
Motivo: "O crescimento de 2003
foi modesto, se comparado com o
de outras regiões, como o Sudeste
Asiático, que experimentou um
crescimento de 6,1%. Ao mesmo
tempo, a imagem que projeta a recuperação é desigual: o sólido
crescimento de Argentina e Costa
Rica, por exemplo, contrasta com
o crescimento menos acentuado
de Brasil e México".
Mas é no capítulo social que o
texto é mais duro. Primeiro por
vinculá-lo ao crescimento econômico, ao afirmar que "o ressurgimento das tensões sociais em diversos países da América Latina e
o aumento do número de pessoas
que vivem em condições de pobreza projetam algumas sombras
sobre as possibilidades de consolidação de tendência de recuperação nos próximos anos".
Mas o texto não se limita à críticas. Manifesta o desejo de "alentar
a América Latina a aplicar políticas sólidas e eficazes, que aumentem a coesão social, por meio da
redução da pobreza, das desigualdades e da marginalização".
Fácil de falar, difícil de fazer. Em
todo caso, os europeus recomendam três passos, que vão na direção oposta ao receituário conhecido como Consenso de Washington, centrado no liberalismo
econômico e na redução do Estado. As receitas, em resumo:
1) Governança democrática:
"Entre as medidas que deveriam
adotar figuram a melhora doS sistemas eleitorais, a garantia de independência judicial, a melhoria
do funcionamento dos partidos
políticos e uma maior representatividade destes".
2) Política social: "É urgente
adotar políticas sólidas e eficazes
destinadas a aumentar as possibilidades de aceso a serviços sanitários, educação e habitação de qualidade, melhorar os sistemas de
proteção social e aplicar medidas
para o emprego, tendentes a reduzir a segregação e a discriminação nos mercados de trabalho".
3) Finanças públicas: "A debilidade do Estado é considerada
uma das deficiências mais graves
da região, e, não obstante, o gasto
público desses países é baixo, em
parte devido à escassa capacidade
institucional para cobrar os impostos e à ineficaz arrecadação
fiscal. Os governos devem introduzir reformas fiscais destinadas
a ampliar a base tributária, favorecer a eqüidade e permitir um nível de gasto social adequado".
O único ponto em que o texto
soa como um afago na região, em
especial no Mercosul, é a previsão
de que as negociações entre os
dois blocos, para formar uma associação inter-regional, "poderiam, talvez, culminar em outubro".
(CLÓVIS ROSSI)
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