São Paulo, quinta-feira, 08 de abril de 2004

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SERMÃO

Região precisa de medidas drásticas, diz documento

Política econômica da América Latina é criticada por europeus

DO COLUNISTA DA FOLHA, EM PARIS

A Comissão Européia, braço executivo do conglomerado de 15 países europeus, divulgou ontem comunicado com fortes críticas ao baixo crescimento econômico de certas nações da América Latina, entre as quais o Brasil, e, acima de tudo, ao modelo econômico-social do subcontinente.
O texto acaba sendo um verdadeiro sermão aos dirigentes latino-americanos, ao afirmar:
"As tensões sociais e a situação econômica estão também estreitamente relacionadas, já que toda incerteza incide negativamente no comportamento dos mercados financeiros e dos investidores. A solução desses problemas, com o objetivo de incrementar a coesão social, constitui uma prioridade fundamental da América Latina, que já não pode adiar a adoção de medidas drásticas de política social e fiscal que dêem resposta aos sinais de mal-estar profundo que mostra uma parte importante da população."
O texto europeu deveria ser um elogio à América Latina e às relações "estratégicas" que a Europa pretende manter com a região, em especial a partir da 3ª cúpula União Européia/América Latina-Caribe, marcada para 28 de maio, em Guadalajara, no México.
Dela já participarão os dez novos sócios da UE, que se integrarão ao bloco no dia 1º.
O documento começa exatamente pela ênfase na importância da América Latina para "a estabilidade e a paz mundial". Depois, celebra o fato de que o encontro de Guadalajara se dará "em um clima econômico mais favorável que o da Cúpula de Madri, em 2002, ano em que a América Latina registrou um crescimento negativo [-0,4%]".
Mas a realidade parece superar a boa vontade européia. O texto divulgado lembra que o crescimento econômico do ano passado e deste ano "não dá margem para complacência".
Motivo: "O crescimento de 2003 foi modesto, se comparado com o de outras regiões, como o Sudeste Asiático, que experimentou um crescimento de 6,1%. Ao mesmo tempo, a imagem que projeta a recuperação é desigual: o sólido crescimento de Argentina e Costa Rica, por exemplo, contrasta com o crescimento menos acentuado de Brasil e México".
Mas é no capítulo social que o texto é mais duro. Primeiro por vinculá-lo ao crescimento econômico, ao afirmar que "o ressurgimento das tensões sociais em diversos países da América Latina e o aumento do número de pessoas que vivem em condições de pobreza projetam algumas sombras sobre as possibilidades de consolidação de tendência de recuperação nos próximos anos".
Mas o texto não se limita à críticas. Manifesta o desejo de "alentar a América Latina a aplicar políticas sólidas e eficazes, que aumentem a coesão social, por meio da redução da pobreza, das desigualdades e da marginalização".
Fácil de falar, difícil de fazer. Em todo caso, os europeus recomendam três passos, que vão na direção oposta ao receituário conhecido como Consenso de Washington, centrado no liberalismo econômico e na redução do Estado. As receitas, em resumo:
1) Governança democrática: "Entre as medidas que deveriam adotar figuram a melhora doS sistemas eleitorais, a garantia de independência judicial, a melhoria do funcionamento dos partidos políticos e uma maior representatividade destes".
2) Política social: "É urgente adotar políticas sólidas e eficazes destinadas a aumentar as possibilidades de aceso a serviços sanitários, educação e habitação de qualidade, melhorar os sistemas de proteção social e aplicar medidas para o emprego, tendentes a reduzir a segregação e a discriminação nos mercados de trabalho".
3) Finanças públicas: "A debilidade do Estado é considerada uma das deficiências mais graves da região, e, não obstante, o gasto público desses países é baixo, em parte devido à escassa capacidade institucional para cobrar os impostos e à ineficaz arrecadação fiscal. Os governos devem introduzir reformas fiscais destinadas a ampliar a base tributária, favorecer a eqüidade e permitir um nível de gasto social adequado".
O único ponto em que o texto soa como um afago na região, em especial no Mercosul, é a previsão de que as negociações entre os dois blocos, para formar uma associação inter-regional, "poderiam, talvez, culminar em outubro". (CLÓVIS ROSSI)


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